Zenaldo vira réu por improbidade administrativa em ação do Ministério Público.

Ministério Público Estadual (MP-PA) ajuizou Ação Civil Pública (ACP), de número 0840120-60.2020.8.14.0301, de improbidade administrativa contra o prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, devido à falta de transparência nos gastos com a Covid-19. Um dos casos citados é a compra de ventiladores pulmonares da GM Serviços Comércio e Representação: o MP-PA não conseguiu localizar a dispensa licitatória da transação, que também teria ocorrido sem contrato e empenho prévio.

Tão ou mais bombástico, porém, é que foram identificados mais de R$ 4,8 milhões em contratos emergenciais decorrentes da pandemia que ou não foram publicados no portal dedicado às despesas com a doença, ou foram simplesmente suprimidos. Além de Zenaldo, também é apontado como responsável pelas irregularidades o secretário municipal de Controle, Integridade e Transparência, Milton Marques.

A ACP foi ajuizada, no último dia 28, na 1ª Vara da Fazenda de Belém, pelo 1º Promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, Alexandre Marcus Fonseca Tourinho. Ele pede, em caráter liminar, que a Prefeitura seja obrigada a publicar nos próximos dias, no portal da Transparência, todas as despesas com a Covid-19, assim como a dispensa licitatória em favor da GM Serviços.

Segundo o promotor, o prefeito e o secretário violaram o artigo 11, incisos 2 e 4, da Lei 8.429/92, que classifica como atos de improbidade, atentatórios aos princípios da administração pública e aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, o fato de agentes públicos deixarem de praticar atos de ofício, ou negarem publicidade aos atos oficiais. As penas previstas para a violação desse artigo incluem a perda de função pública, suspensão dos direitos políticos por até 5 anos e multa de até 100 vezes a remuneração recebida.

DENÚNCIA

Segundo a ACP, tudo começou em abril, quando Tourinho recebeu uma denúncia de que a Prefeitura estava descumprindo a Lei 13.979/2020, que permitiu a dispensa licitatória para as compras destinadas ao combate da Covid-19, mas determinou que todos esses contratos sejam imediatamente disponibilizados em um site específico. O promotor resolveu pesquisar no Google e nos principais sites municipais e não localizou qualquer página da Prefeitura destinada a essas aquisições. Com isso, abriu procedimento para apurar o caso e expediu uma Recomendação, para tentar que a Prefeitura resolvesse o problema, sem ter de levá-la à Justiça.

No início, a estratégia pareceu funcionar: ela criou um hot site exclusivo para as informações sobre a doença, incluindo os contratos. Mas logo o MP-PA percebeu que o site não funcionava como deveria. Tanto que foi considerado o pior portal de transparência da Covid-19, entre todos os avaliados pela ONG Transparência Internacional, nos estados e capitais, e o único classificado como “péssimo”. Após o Relatório da ONG, a Prefeitura realizou algumas melhorias no portal. Só que, em 8 de junho, o MP-PA constatou que continuava problemático: ele registrava 247 contratos, no valor total de R$ 247,8 milhões, mas boa parte não tinha nada a ver com a pandemia. “Diferentemente do afirmado pela Prefeitura, essa relação não é específica das contratações emergenciais para o enfrentamento do Covid-19, sendo misturadas com informações sobre licitações ordinárias realizadas pela Prefeitura Municipal de Belém (obras em praças públicas, obras de restauração em prédio público, etc.), retirados diretamente do Sistema GDOC – Processos da Cinbesa, sem qualquer filtro específico para Covid-19”, escreveu o promotor. Um fato que “dificulta a divulgação das informações e o próprio escopo da transparência específica e segregada das informações”.

Bem mais graves, porém, foram os problemas detectados na integridade e atualização das informações. A partir do cruzamento com os dados do Sistema Argus, do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), constatou-se que faltavam, no portal, vários contratos relacionados à doença. Além disso, “atualizações” realizadas pela Prefeitura, entre 15 e 23 de junho (quando o link dos contratos emergenciais chegou a sair do ar), acabaram suprimindo contratações que lá se encontravam. Ao fim e ao cabo, afirma Tourinho, são mais de R$ 3,588 milhões em contratos emergenciais que não foram cadastrados no portal da Transparência da Covid-19, além de R$ 1,217 milhão em contratações que, sem qualquer explicação, simplesmente desapareceram.

Para o promotor, “é inconteste a violação de normas legais e princípios constitucionais, bem como a má-fé e recalcitrância do prefeito de Belém e de seu secretário em cumprir necessária obrigação de fazer, correspondente à adoção de medidas de transparência e publicidade às suas contratações de produtos e serviços”.

COMPRA DE VENTILADORES

A compra por Zenaldo dos ventiladores pulmonares da GM Serviços é um capítulo à parte na ACP. Como você leu na série de reportagens do DIÁRIO (21, 22 e 23 de junho; 05, 07 e 19 de julho), não houve licitação e nem mesmo um contrato, para a aquisição desses equipamentos: apenas um Termo de Reconhecimento de Dívida (TRD). As Notas de Empenho originais que estavam no portal da Transparência diziam que dois deles custaram R$ 260 mil cada, ou mais que o dobro do que pagaram governos e prefeituras de vários estados. Mas a Prefeitura alterou as Notas de Empenho, inserindo mais equipamentos, o que reduziu o preço dos ventiladores para R$ 65 mil.

O promotor Alexandre Tourinho não diz expressamente, mas parece acreditar que a transação foi ilegal. Isso porque, conforme enfatiza, a compra teria sido realizada antes de ter sido empenhada e até o embasamento legal do TRD, que a Prefeitura teria usado em substituição a um contrato, não tem nada a ver com a aquisição desses equipamentos. Além disso, o MP-PA não conseguiu localizar a dispensa de licitação em favor da GM Serviços, o que levanta a suspeita de que não tenha sido publicada, como manda a Lei.

Um dos problemas mais graves é a possível compra antes do empenho. Por Lei, quando o Poder Público precisa de algum bem ou serviço, tem primeiro de “empenhar” essa despesa, ou seja, reservar dinheiro, no orçamento, para pagá-la. Emite, então, uma Nota de Empenho, que identifica o fornecedor (escolhido, preferencialmente, através de licitação). O fornecedor entrega o produto. Vem, então, a fase de “liquidação da despesa”, quando o Poder Público confere se está tudo de acordo com as exigências do contrato. E é só depois de tudo isso que ele paga o fornecedor.

No entanto, observa Tourinho, a Prefeitura, aparentemente, inverteu esse processo, já que as Notas de Empenho da compra desses ventiladores até mencionam as respectivas Notas Fiscais, que só deveriam ser emitidas muito depois. Em tese, trata-se da “realização de despesas sem prévio empenho”, um ato sem amparo legal mesmo com a flexibilização das regras de compras e pagamentos públicos, durante a pandemia. “É bom ressaltar que mesmo que se alegue tratar-se de situação emergencial as legislações não excepcionaram as regras de realização do prévio empenho, mesmo nos casos de pagamento antecipado (…)”.

Outro problema é o TRD, do qual o MP-PA não localizou a publicação no Diário Oficial do Município, ou informações adicionais no portal da Transparência, e ao qual só teve acesso durante as investigações, quando a Prefeitura, finalmente, o apresentou. O documento diz que a sua base legal é o artigo 37, da Lei 4.320/64. No entanto, diz Tourinho, esse artigo trata apenas do pagamento de gastos realizados pelo Poder Público em exercícios anteriores, o que não é o caso desses ventiladores, adquiridos no último abril.

Para o promotor, esse TRD “viola a Teoria dos Motivos Determinantes dos atos administrativos, já que sua motivação e fundamentação jurídica não é correspondente com a finalidade do instrumento utilizado”. Na sua opinião, a Prefeitura formalizou o TRD para justificar uma despesa “sem prévia licitação, contrato emergencial ou empenho”. Tourinho chegou ao contrato da GM Serviços por causa de uma Representação protocolada contra o prefeito por uma cidadã, já que ele afirmava, nas redes sociais, que os ventiladores custaram R$ 65 mil cada, quando as Notas de Empenho originais, no portal da Transparência, informavam que dois deles custaram R$ 260 mil cada, e outro, pouco mais de R$ 220 mil (a compra, no total, foi de R$740.624,00).

A Prefeitura reconheceu as alterações nas Notas de Empenho, mas afirmou que haviam sido retificadas, porque continham equívocos em relação ao número de ventiladores. Porém, a imprensa descobriu que esses ventiladores talvez nem existam, ou estejam em situação tão irregular que nem poderiam ter sido comercializados: em ofício enviado à Diretoria de Combate à Corrupção (Decor), da Polícia Civil, no último 2 de julho, a Secretaria de Estado da Fazenda afirma que não há registro da entrada desses equipamentos na GM Serviços e não há como informar se eles ao menos entraram no Pará. Além disso, a imprensa descobriu que a empresa usou informações inverídicas nas Notas Fiscais: códigos que a colocam como a fabricante desses produtos, que, na verdade, são fabricados na China.

Por Ana Célia Pinheiro