A Polícia Civil do Pará, por meio da Diretoria Estadual de Combate à Corrupção (Decor), deflagrou a “Operação Cratera” na manhã deste sábado (30), com uma ação de cumprimento de mandados de busca e apreensão. O objetivo é apurar indícios de fraude em licitação e desvios de verbas públicas no programa Asfalto na Cidade, durante o período de 2013 a 2018. As frentes de investigações estiveram em endereços em Belém e cidades do interior.
Policiais civis da Decor se deslocaram aos estados de São Paulo e Maranhão, onde contaram com o apoio e participação das polícias civis, por meio da Divisão de Investigações e Combate à Corrupção de São Paulo, e da Superintendência de Combate a Corrupção do Maranhão.
Segundo a Polícia Civil do Pará, o programa Asfalto na Cidade tinha o objetivo de melhorar a malha viária dos municípios paraenses e, somente em 2018, custou mais de R$ 360 milhõesaos cofres públicos.
Os indícios probatórios coletados ao longo da investigação demonstram favorecimento a um “consórcio” de empreiteiras com envolvimento direto de agentes públicos. São apurados crimes de fraude à licitação, peculato, associação criminosa, corrupção ativa e passiva.
PRISÃO
Em Santa Maria do Pará, um homem foi preso em flagrante pelo crime de porte ilegal de arma de fogo. O preso era proprietário de uma empresa terceirizada, que funcionava como uma das empreiteiras envolvida no esquema investigado. Na ação, também foram apreendidos documentos, aparelhos celulares, computadores, armas de fogo, joias, além de um valor em moedas estrangeiras (dólares, euros, libras e dirhams).
O delegado-geral da PC, Walter Resende, supervisiona a operação e afirma que todo o material apreendido será periciado e analisado, com o objetivo de obter mais elementos comprobatóriosdos delitos praticados.
Programa de asfaltamento tornou-se um dos maiores escândalos da história do Pará
O Asfalto na Cidade é um dos maiores escândalos da história do Pará. Há de tudo: fraudes licitatórias e documentais, obras malfeitas, inacabadas, superfaturadas e até “fantasmas”, além de uso eleitoreiro. Tudo muitas vezes realizado de maneira escrachada e em proporções milionárias, ao longo de pelo menos 11 anos, ou seja, durante quase toda a administração do ex-governador Simão Jatene, que seestendeu de 2011 a 2018.
Nos cálculos do ex-auditor geral do Estado, Giussepp Mendes, que investigou o caso, é possível que o rombo nos cofres públicos atinja R$ 1 bilhão, com a atualização monetária de todos os contratos investigados. Segundo ele, as ações já ajuizadas pedem a devolução de cerca de R$ 600 milhões aos cofres públicos, sem essa atualização.
“Ficamos impressionados com o que encontramos, pois havia a certeza de impunidade. Durante muitos anos as fraudes ocorreram de forma explícita e nada era feito para coibi-las, muito pelo contrário. Isso levou a que fizessem coisas inimagináveis. Um exemplo disso foi a apresentação e o pagamento de boletins de medição de obras, meses antes das assinaturas dos contratos. Era uma coisa explícita”, disse Giussepp. Segundo ele, o Asfalto na Cidade foi uma das maiores investigações da Auditoria Geral do Estado (AGE). Hoje, ele é o presidente do Igeprev, o Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará.
DEPOIMENTO
Segundo depoimento do ex-assessor especial do ex-governador Simão Jatene e, também, ex-fiscal do Asfalto na Cidade, José Bernardo Pinho, as fraudes começaram ainda na administração de Joaquim Passarinho, ex-secretário de Obras do governo de Jatene, entre 2011 a 2014. E prosseguiram nas gestões de Ruy Klautau, Noemia Jacob e Pedro Abílio Torres do Carmo, que comandaram a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (Sedop), quando ela passou a ser a executora do programa. Entre eles, o mais enrolado é Pedro Abílio, o último a comandar a Sedop e que já teve até determinada a quebra de seus sigilos bancário e fiscal. Em 2018, o Asfalto na Cidade derramou um volume de dinheiro nunca visto em um ano eleitoral, várias vezes superior ao que havia sido gasto até então pelo programa, somados vários anos anteriores.
A partir de 2019, com o novo governo e decisões judiciais que levaram à abertura de investigações, as construtoras envolvidas começaram a falar. Uma delas, a Leal Junior, confessou ter recebido pagamentos da Sedop por 15 km de pavimentações não-realizadas, ou seja, “asfalto fantasma”, em um volume de recursos superior a R$ 20 milhões. Outra, a Lorenzoni, acusou a Sedpo de uma fraude licitatória de R$ 21 milhões, em uma licitação para 50 km de pavimentação nas regiões de integração do Xingu e do Lado de Tucuruí. Dez construtoras chegaram a ficar impedidas de participar de licitações do Governo do Estado. Só puderam retornar depois de assinarem acordos com a AGE, nos quais se comprometeram a sanar as irregularidades detectadas, corrigindo defeitos nas obras e concluindo as queestavam inacabadas.
BICHEIRO
Em abril do ano passado, cinco Ações Civis Públicas (ACPs) de improbidade administrativas, ajuizadas pelo 1º Promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa de Belém, Alexandre Marcus Tourinho, já somavam R$ 237 milhões em pedidos de devolução de dinheiro aos cofres públicos e R$ 70 milhões em pedidos de indenizações por danos morais ao Estado. Entre os acusados estavam os ex-secretários da Sedop e mais 9 empresas (JM Terraplanagem, Leal Junior, MNS Ribeiro Junior, Construtora Lorenzoni, Best Transportes e Construções, PVNT Empreendimentos, Construfox Construções e Incorporações, Rodoplan Serviços de Terraplenagem e CFA Construções, Terraplenagem e Pavimentação), 26 empresários e os engenheiros José Bernardo Pinho e Raimundo Maria Miranda de Almeida, que coordenavam e fiscalizavam o Asfalto na Cidade.
Entre as irregularidades apontadas nas ACPs estavam possíveis “obras fantasmas”, devido à falta de documentos comprobatórios da maioria das pavimentações pagas pela Sedop, através do Asfalto na Cidade: muitos boletins de medição indicavam apenas os municípios em que os serviços teriam ocorrido, mas não especificam as ruas ou trechos asfaltados. Também não havia indicação dessas ruas nas notas fiscais, ou ao menos registros fotográficos da execução dos trabalhos. Reforçavam os indícios a confissão da Leal Junior sobre os 15 km de pavimentações recebidas, mas não executadas.
Pior: havia indícios até de envolvimento de uma dessas empresas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, que chegou a ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, pelo Congresso Nacional. Nela, constatou-se que o bicheiro comandava uma organização criminosa com uma vasta rede de empresas que fraudavam licitações e pagavam propinas a servidores públicos, entre outros crimes, em órgãos do Governo Federal e de vários Estados e municípios. Cachoeira também manteve contratos milionários com o Governo Jatene através da Delta Construções, para o aluguel de viaturas ao Sistema de Segurança Pública.
SILÊNCIO
Há cerca de dois anos a Auditoria Geral do Estado investigou o escândalo e obteve confissões, provas e delações entre os envolvidos. Apesar disso, a Procuradoria Geral de Justiça, comandada por Gilberto Martins, nada fez para apurar as responsabilidades do ex-governador Simão Jatene no caso.
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Por Célia Pinheiro | DOL