Desde a semana passada, as redes sociais paraenses estão agitadas e o auditor-geral do Estado, Giussepp Mendes, virou, mais uma vez, saco de pancadas nas mãos dos tucanos. Tudo porque a AGE começou a apertar o cerco em torno do marqueteiro Orly Bezerra e da sua empresa de propaganda, a Griffo Comunicação. Em uma decisão publicada no Diário Oficial do Estado do último 16 de janeiro, páginas 11,12 e 13, a AGE suspendeu a Griffo das licitações estaduais, devido às irregularidades na execução do contrato da empresa, para a propaganda do Banco do Estado do Pará (Banpará).
Em entrevista exclusiva à Jornalista Ana Célia Pinheiro, Giussepp revelou que essas irregularidades são tão graves que já paraopermitem até que o Banpará rescinda esse contrato unilateralmente, por inexecução.
Segundo ele, nem o Banpará nem a AGE estão conseguindo localizar documentos que comprovem como a Griffo gastou, e com base em que critérios, o dinheiro que recebeu daquele banco.
Foram quase R$ 43,5 milhões (em valores corrigidos com base no IPCA-E do mês passado), que caíram nas contas bancárias da empresa, entre março de 2014 e março de 2019, para a propaganda do Banpará, mas que ninguém sabe ao certo aonde é que foram parar.
Não há prestações de contas, mapas de mídia, cotações de preços de serviços, entre outros documentos, disse o auditor-geral.
Ainda mais grave é a possibilidade de que o banco não tenha essa documentação devido a um arranjo, provavelmente, ilegal: todo o controle da verba de propaganda do Banpará, desde a licitação até a fiscalização desse contrato, ficou a cargo da Secretaria de Comunicação (SECOM) do ex-governador Simão Jatene.
O problema é que o Banpará não é um simples órgão público: ele é regido pelas regras do mercado financeiro, está estruturado até como uma Sociedade Anônima e não recebe verbas do Governo, ou repassa para ele.
Então, como é que a SECOM poderia controlar recursos daquele banco?
“Não há convênios, decretos ou coisa alguma, do ponto de vista jurídico, que pudesse permitir algo assim, simplesmente porque o Banpará é uma empresa privada, que não recebe dinheiro do governo”, disse Giussepp.
“O Banpará é uma Pessoa Jurídica de direito privado, que integra a administração indireta. É uma sociedade de economia mista que possui orçamento próprio: ele não recebe recursos para as suas despesas de custeio, pessoal ou de capital. O Estado é sócio dele, mas não é ordenador de despesas”, explicou.
Segundo ele, o controle das verbas de propaganda do Banpará pela SECOM é semelhante à situação de um ente privado que resolvesse administrar um contrato público: “Simplesmente, não há base legal para isso”.
Só em 4 anos, Griffo levou R$ 147 milhões do Governo Jatene e Banpará
Para quem não se lembra, a Griffo é aquela agência que venceu todas as licitações realizadas pelos governadores e prefeitos do PSDB que o Orly Bezerra ajudou a eleger.
Ou seja, o Orly coordenava a campanha do sujeito, e o sujeito, depois de eleito, fazia uma licitação milionária para a propaganda da sua administração.
E aí quem vencia a licitação era a…Griffo! Ela mesma, e sempre ela, a empresa do abençoado marqueteiro.
Por incrível que pareça, essa “coincidência” se repetiu durante 20 anos, fazendo com que o dinheiro público jorrasse nas contas bancárias da Griffo e de Orly.
Segundo números coletados pela AGE, no Banpará e no SIAFEM, o sistema de administração financeira de Estados e Municípios, a Griffo recebeu mais de R$ 147 milhões, do Governo do Estado e do Banpará, só entre 2014 e março de 2019.
É dinheiro suficiente para construir 24 UPAs como a da Terra Firme, em Belém, que tem capacidade para atender até 400 pessoas por dia. No entanto, é apenas uma fração da montanha de dinheiro carreada pelos tucanos para essa empresa, desde meados da década de 1990.
Foi Orly quem comandou as campanhas eleitorais dos ex-governadores Almir Gabriel (já falecido) e Simão Jatene.
E foi a Griffo quem ganhou todas as licitações milionárias para a propaganda dos governos deles.
O mesmo aconteceu com o prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho: Orly comandou a campanha dele e a Griffo venceu as licitações.
Tão ou mais instigante é que a Griffo não vence sozinha essas licitações, mas abocanha uma fatia contratual de fazer inveja, digamos assim, a um bando de leões famintos.
Funciona assim: o Governo do Estado ou a Prefeitura de Belém realiza uma licitação para contratar 5 ou 6 agências, que irão produzir os anúncios de propaganda e tratar da veiculação desses materiais, nos meios de comunicação.
O certo seria, então, que todas essas agências recebessem fatias semelhantes, já que também venceram a licitação.
Mas o que é que acontecia (e ainda acontece) nos governos e prefeituras comandados pelo PSDB?
Apenas entre 2014 e 2018, dizem os números coletados pela AGE que o ex-governador Simão Jatene pagou em propaganda, a 7 agências, mais de R$ 211 milhões.
Desse total, a Griffo recebeu quase R$104 milhões – ou mais de 49%!
O mesmo teria ocorrido no Banpará, onde a Griffo levou quase R$ 43,5 milhões, e a outra agência, também contratada, e segundo informações ainda não confirmadas, teria ficado com cerca de R$ 8 milhões.
Idem para a Prefeitura de Belém: segundo o último levantamento que fiz para o jornal Diário do Pará, no portal municipal da Transparência, a Griffo recebeu, do prefeito Zenaldo Coutinho, cerca de R$ 29 milhões, entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2016, em valores corrigidos naquela época.
A bolada representou quase 55% dos R$ 53 milhões pagos por Zenaldo a todas as agências de propaganda que receberam dinheiro da prefeitura, naquele período.
Feitas as contas, a Griffo recebeu, comprovadamente, do Governo do Estado, Banpará e Prefeitura de Belém, mais de R$ 176 milhões, apenas nos anos mais recentes, e em um levantamento incompleto e muito por baixo.
É 17 vezes os R$ 10,3 milhões que Zenaldo gastou para reformar o PSM da 14 de Março, que atende a milhares de paraenses.
É mais de 3 vezes o que o Governo do Estado pagou na construção do Hospital Metropolitano, que ficou em menos de R$ 26 milhões, em 2006, ou pouco mais de R$ 53 milhões atualizados.
Uma caixa preta e um derrame sem fim de verbas públicas
Mas além do Governo do Estado e Banpará, a Griffo também detinha o contrato de propaganda da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), na época comandada pelo então deputado Márcio Miranda (DEM), desde sempre aliado do PSDB e que foi até candidato ao Governo, em 2018, com o apoio de Jatene.
E além de Belém, também deteve os contratos de propaganda das prefeituras de Ananindeua e Santarém, ambas comandadas pelos tucanos.
Ou seja: quanto a Griffo e o marqueteiro Orly Bezerra receberam de dinheiro do Governo, prefeituras e outras instituições públicas, ao longo de duas décadas, é algo que ninguém sabe e, provavelmente, nunca saberá.
Em tese, a Griffo ficava apenas com um percentual dessa montanha de dinheiro e repassava o restante aos meios de comunicação que divulgavam a propaganda tucana.
Mas a verdade é que ninguém sabe exatamente o que acontecia com esse dinheiro depois que ele entrava nos cofres da empresa, já que os critérios e gastos de propaganda sempre foram uma das caixas pretas do PSDB.
Além disso, como começam a mostrar as investigações da AGE no Banpará, tudo era centralizado na SECOM.
E a SECOM, por incrível que pareça, sempre foi comandada por profissionais de confiança de Orly, que trabalharam nas campanhas eleitorais que ele coordenou, como mostrou a série de reportagens “Griffo, a Insaciável”, publicada pela no Blog da Jornalista Ana Célia links estão no final desta postagem.
Quer dizer: bem vistas as coisas, é como se o abençoado marqueteiro atuasse, ao mesmo tempo, nos dois lados do caixa.
O mundo de dinheiro e de cargos públicos que Orly controlava até 2018, quando o PSDB perdeu as eleições ao Governo do Estado, fez dele quase que um “polvo”, com tentáculos gigantescos, em suas relações com a imprensa paraense e as instituições.
Daí a grita que se vê, nas redes sociais, quando a AGE, o principal órgão de fiscalização do governo, começa, finalmente, a abrir essa caixa preta, com o seu mar de verbas públicas e de beneficiários.
Ex-presidente do Banpará teria admitido interferência indevida da SECOM
O auditor-geral do Estado, Giussepp Mendes, explica que o direcionamento que é dado ao Banpará pelo Governo, que é o seu principal acionista, não tem nada a ver com interferências em atividades do cotidiano da instituição, como é caso dos gastos em propaganda.
Trata-se apenas de propor diretrizes de ação, para que as aplicações financeiras do banco atinjam determinadas áreas.
Nem poderia ser diferente, já que o Banpará possui um conselho administrativo, que é quem dá as cartas por lá.
No entanto, diz Giussepp, o próprio ex-presidente do Banpará teria admitido a interferência indevida da SECOM nos gastos em propaganda daquele banco.
O documento assinado pelo ex-presidente foi apresentado em resposta a um mandado de segurança ajuizado pelo MDB, em 2018, no qual eram solicitadas várias informações, entre elas, sobre o contrato de propaganda da Griffo.
No último 7 de janeiro, foi encaminhado à AGE pela nova administração do Banpará, em resposta a um ofício.
Nesse documento, diz Giussepp, o ex-presidente informa que o Banpará nunca recebera qualquer prestação de contas da Griffo, desde a assinatura daquele contrato, em 2014, e que todos os documentos da execução contratual (mapas e autorizações de mídia, cotações de preço, orçamentos, notas fiscais) estavam em poder da SECOM.
No entanto, o próprio contrato prevê que a Griffo deveria entregar ao Banpará relatórios mensais dos anúncios produzidos e veiculados.
Mas nem antes nem agora há sinais de que isso tenha ocorrido, já que o Banpará informou à AGE que não possui tais documentos.
“A Griffo tinha o dever de prestar contas à sua contratante, no caso, o Banpará, e não à SECOM, que apenas fez a licitação”, salienta Giussepp.
“O Banpará também não tem o domínio das informações de cotações prévias dos serviços, realizadas pela Griffo, o que, por si só, é uma grande lacuna e possibilita que peçamos informações a essa empresa sobre as cotações de preços, para que saibamos se são compatíveis com o mercado”.
Só assim, acrescenta, “poderemos saber se há ou não superfaturamento ou sobrepreço nesses serviços”.
Segundo ele, o contrato também prevê que a Griffo deveria ter autorização prévia e expressa do Banpará para a produção e veiculação desses anúncios, mas o banco também não possui tais documentos.
Giussepp não diz, mas a suspeita, nos corredores da AGE e nos bastidores do novo governo, é que a manipulação dos recursos da propaganda do Banpará objetivou atender aos interesses do ex-governador e de seu partido político, o PSDB.
Também há rumores de que o Banpará se prepara para suspender o contrato e abrir uma investigação sobre o caso, o que poderá complicar ainda mais a situação do abençoado marqueteiro.
Veja os ganhos da Griffo, no Banpará e no Governo do Estado, apenas entre 2014 e o começo de 2019 (em valores atualizados pelo IPCA-E de Dezembro/2019):
Governo do Estado
2014
Todas as agências: R$ 47.154.601,96
Só a Griffo: R$ 23.747.268,18
% da Griffo: 50,36%
2015
Todas as agências: R$ 39.306.589,28
Só a Griffo: R$ 18.634.371,94
% da Griffo: 47,40%
2016
Todas as agências: R$ 47.679.277,59
Só a Griffo: R$ 23.235.270,64
% da Griffo: 48,73%
2017
Todas as agências: R$ 42.871.948,83
Só a Griffo: R$ 21.472.715,88
% da Griffo: 50,08%
2018
Todas as agências: R$ 34.246.564,83
Só a Griffo: R$ 16.701.809,40
% da Griffo: 48,76%
Total
Todas as agências: R$ 211.258.982,49
Só a Griffo: R$ 103.791.436,04
% da Griffo: 49,12%
Banpará (pagamentos de março do ano anterior até março do ano em questão)
2015: R$ 9.596.780,94
2016: R$ 8.631.479,76
2017: R$ 9.824.957,99
2018: R$ 8.617.485,70
2019: R$ 6.735.899,23
Total:R$ 43.406.603,62
TOTAL RECEBIDO PELA GRIFFO DO GOVERNO E DO BANPARÁ: R$ 147.198.039,66
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E leia a série de reportagens “Griffo, a Insaciável”.
23 de maio de 2013 – Parte 1:“Há quase 20 anos, Griffo Comunicação ganha todas as licitações de propaganda dos governos que ajuda a eleger. Nas duas últimas licitações, jornalistas que trabalharam para a empresa integraram as comissões técnicas dos certames.”: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2013/05/griffo-insaciavel-parte-1-ha-quase-20.html
29 de maio de 2013 – Parte 2: “Secretário de Comunicação do Pará trabalhou em campanhas comandadas por Orly e prestou serviços à Griffo, para a qual libera milionárias verbas de propaganda. Integrantes das comissões técnicas de licitações vencidas pela Griffo também trabalharam sob o comando de Orly”: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2013/05/secretario-de-comunicacao-do-para.html
7 de junho de 2013 – Parte 3:“Griffo Comunicação, que vence todas as licitações milionárias para a propaganda tucana, oculta campanhas que realiza, doa dinheiro ao PSDB e até já “pagou” para trabalhar para o partido” : https://pererecadavizinha.blogspot.com/2013/06/incrivel-griffo-comunicacao-que-vence.html
Por Jornalista Ana Célia Pinheiro