A facilidade com que representantes da Cooperativa de Garimpeiros e Mineradores de Ourilândia e Região (Cooperouri) circularam pelos corredores de Brasília nos últimos anos só não foi maior do que sua capacidade de movimentar milhões. Beneficiada com contatos no governo proporcionados pelo senador e pré-candidato ao governo do Pará, Zequinha Marinho (PL-PA), a cooperativa entrou na mira da Polícia Federal sob suspeita de integrar uma grande organização criminosa que atua na extração clandestina de ouro no sul do Pará.
A Cooperouri é uma velha conhecida de policiais e fiscais quando o assunto é garimpo ilegal. Em 2017, uma operação do Ibama na Terra Indígena Kayapó destruiu um maquinário avaliado em R$ 9 milhões utilizado para a extração do minério. Parte dos itens pertencia à cooperativa, que teve um dos seus diretores autuados à época por danos ambientais.
Desta vez, é a atuação financeira da Cooperouri que chamou a atenção dos policiais. Entre junho de 2019 e junho de 2020, a cooperativa movimentou R$ 57 milhões em suas contas, com depósitos para pessoas investigadas por envolvimento com o garimpo ilegal, segundo inquérito obtido pela Repórter Brasil e que serviu de base para a Operação Terra Desolata. A operação, deflagrada em outubro, prendeu 12 suspeitos de integrarem o esquema ilegal e bloqueou R$ 469 milhões das contas dos investigados. Os policiais desnudaram a complexa cadeia, constatando que o destino final do metal ilegal é uma empresa italiana chamada Chimet.
Para a PF, no entanto, parte importante do esquema gira em torno da cooperativa de garimpeiros. A suspeita é que ela esteja “esquentando” o metal – ou seja, tornando-o lícito, por meio de fraude, antes de vendê-lo a terceiros. Dos investigados no inquérito, a cooperativa é a única que possui uma permissão de lavra garimpeira autorizada pela ANM (Associação Nacional de Mineração) – que pode estar sendo usada para declarar uma origem falsa ao ouro extraído ilegalmente da TI Kayapó.
A falsificação da origem do ouro é simples – como as notas fiscais de venda são em papel, o vendedor pode dizer que o metal foi extraído de uma lavra garimpeira regular, e não de uma terra indígena, o que é proibido pela legislação brasileira.
Em novembro de 2019, representantes da Cooperouri, em companhia de Zequinha Marinho, estiveram reunidos com o presidente da ANM, Victor Bicca. No encontro, o senador pediu agilidade na concessão permissões de lavra garimpeira. Além deste garimpo já autorizada, a cooperativa tem outros 18 pedidos para exploração de ouro espalhados pelo Brasil à espera de um parecer da agência reguladora.
Diretores e altos funcionários da cooperativa também fazem suas investidas em Brasília. Uma das diretoras da Cooperouri, Patrícia Sôffa, esteve ao menos duas vezes com o senador Marinho em reuniões com o então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e com Hugo Bicca (ambas ocorridas em novembro de 2019).
A geóloga Karine Ferraz representou o grupo de garimpeiros em duas reuniões com diretores da ANM ligados ao setor de produção mineral e à autorização das lavras, entre 2019 e 2020. É ela quem assina o laudo técnico desses pedidos de garimpos, que ainda estão sob análise da agência.
Um ex-funcionário da agência, que trabalhou como responsável pela concessão de permissões de lavra e que foi ouvido sob condição de anonimato, confirmou à Repórter Brasil que Zequinha Marinho pressiona os diretores do órgão para que as lavras sejam autorizadas mais rapidamente, especialmente aquelas que estejam no Pará.
O senador, que é pré-candidato ao governo do Pará, é réu em um processo que se arrasta na Justiça sob suspeita de “rachadinha” em seu gabinete quando ele era deputado federal, em 2011. Ele também teve um pedido de cassação do seu mandato como senador protocolado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) em janeiro do ano passado, sob suspeita de gastos ilícitos de recursos na campanha. O senador nega a “rachadinha” e diz que sua campanha foi “inteiramente lícita“.
O lobby parece estar funcionando. No último dia 14, o presidente Jair Bolsonaro editou dois decretos que são uma sinalização aos garimpeiros. Um deles “estabelece critérios simplificados para análise”, por parte da ANM, dos pedidos minerais, “principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte”. O segundo propõe políticas públicas para “estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala”.
‘Laranjas’ e DTVMs
A análise das contas da Cooperouri, feita pela PF, encontrou depósitos bancários para “laranjas”: pessoas com pouquíssimos recursos e vida modesta, mas que receberam quantias volumosas de dinheiro em um curto espaço de tempo.
Em um dos casos, uma mulher de 28 anos que trabalha como caixa de supermercado em Boa Vista (RR), com renda mensal de R$ 2,8 mil, recebeu, em um ano, pouco mais de R$ 12 milhões. As investigações mostraram que a conta utilizada por essa mulher, na verdade, era de Douglas Alves de Morais e Fábio Monteiro da Silva, ambos diretores da Cooperouri.
A movimentação financeira da cooperativa também revela que pelo menos três Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) figuram como compradoras de ouro da Cooperouri – as empresas fizeram depósitos significativos nas contas bancárias da organização entre junho de 2019 e junho de 2020, cujo valor alcança quase R$ 60 milhões.
A Ofir Metais, por exemplo, pagou R$ 26 milhões à Cooperouri. A empresa atua como posto de compra da Fênix, autorizada pelo Banco Central a funcionar em outubro de 2020. Outras duas DTVM’s aparecem como compradoras da cooperativa: a Coluna e a FD’ Gold, que juntas pagaram cerca de R$ 18 milhões à cooperativa de garimpeiros.
FD’ Gold e Coluna são fornecedoras assíduas da BP Trading, maior exportadora de ouro de garimpo do Brasil, como revelou a Repórter Brasil em novembro do ano passado. Ou seja: além de terminar na Itália, conforme conclui a PF, o ouro da Terras Indígena Kayapó provavelmente também está sendo exportado pela BP Trading.
As duas DTVM’s também já foram investigadas por comprarem ouro ilegal da Terra Indígena Yanomami.
O vínculo entre as DTVM’s e a comercialização de ouro de terras indígenas já embasou uma ação civil pública do Ministério Público Federal do Pará contra algumas dessas empresas, incluindo a FD’ Gold, em agosto do ano passado. O MPF pede a suspensão das atividades dessas empresas, bem como pagamento de R$ 10,6 bilhões por danos socioambientais.
Informações Repórter Brasil