O ex-secretário municipal de Saúde de Belém, Sérgio Amorim, virou réu em um processo criminal que poderá lhe custar até 18 anos de prisão. As acusações incluem fraudes licitatórias e até associação criminosa, para a compra de ventiladores pulmonares e monitores multiparâmetros junto à GM Serviços Comércio e Representação, no início de 2020. O caso foi um dos maiores escândalos da administração do ex-prefeito Zenaldo Coutinho, de quem Amorim era o braço-direito.
Os supostos crimes foram investigados pela Operação Quimera e denunciados à Justiça pelo Ministério Público do Pará (MPPA). Em outubro do ano passado, a juíza da 3ª Vara Criminal de Belém, Cristina Sandoval Collyer, rejeitou os pedidos de arquivamento feitos pelos advogados de defesa, recebeu a denúncia e disse existirem “fortes indícios” da participação do ex-secretário na “empreitada criminosa”.
Além de Amorim também são réus no processo os empresários Genny Missora Yamada, dona da GM Serviços; e Raimundo Teixeira de Macêdo, dono da Macedo Hospitalar. Somadas, as penas dos três podem chegar a 47 anos de cadeia. Na decisão, a juíza também determinou que a Secretaria da 3ª Vara marque a data da audiência de instrução e julgamento, mas, segundo o site do Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA), isso ainda não ocorreu.
Devido à quantidade de testemunhas do processo, é possível até que a audiência ocorra no salão do Tribunal do Júri. As transações financeiras entre os dois empresários e a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), que Amorim dirigia na época, podem ter lesado os cofres públicos em cerca de R$ 1,1 milhão, em valores não atualizados. Amorim é cunhado do ex-Procurador Geral de Justiça (PGJ), Gilberto Valente Martins.
As irregularidades na compra desses equipamentos hospitalares foram denunciadas pelo DIARIO, em 21 de junho de 2020, e em várias reportagens posteriores. Na época, Zenaldo, Amorim e seus adeptos afirmaram, a vários veículos de comunicação, que tudo não passava de “fake news” do jornal. Há auspeita de que Amorim ter determinado alterações no portal da Transparência, para modificar, irregularmente, as Notas de Empenho (NEs) da compra desses produtos.
Mas as investigações realizadas pela Diretoria de Combate à Corrupção (DECOR), da Polícia Civil, acabaram confirmando todas as informações do DIÁRIO, e não só. Elas revelaram um festival de ilegalidades poucas vezes visto: indícios de superfaturamento; fraudes licitatórias; aquisição sem contrato e dotação orçamentária; sonegação fiscal; montagem de processo.
Esquema criminoso
– Segundo o MP-PA, o “esquema criminoso”, que seria comandado por Amorim, funcionava assim: ele fazia uma dispensa licitatória beneficiando a GM Serviços com a compra de equipamentos. Só que ela não possuía esses equipamentos: eles pertenciam, na verdade, à Macedo Hospitalar, representante exclusiva das fabricantes desses produtos, no Pará e Amapá. A Macedo “vendia” os equipamentos à GM (sem Nota Fiscal, pagamento, garantia ou qualquer documento), após a contratação da GM pela Sesma.
– E em pelo menos dois casos, há indícios de superfaturamento. Um deles é justamente a aquisição dos ventiladores pulmonares e monitores multiparâmetros, “vendidos” pela Macedo à GM por R$ 390 mil, e revendidos à Sesma por mais de R$ 720 mil, ou 85% a mais.
Ex-secretário teria tentado alterar documentos
A polícia começou a investigar o caso em junho de 2020, após uma queixa da cidadã Cleide Barra D’Assunção à DECOR. Em 9 de outubro, a Operação Quimera cumpriu mandados judiciais de busca e apreensão, na Sesma e nos endereços de Amorim, Genny e GM. Quatro dias depois, Amorim foi exonerado. Em dezembro do mesmo ano, ele, Genny e Raimundo Macedo foram indiciados pela polícia, por fraude licitatória, associação criminosa e outros crimes.
Em novembro do ano passado, a promotora Érika Menezes de Oliveira, da 1ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa do MP-PA, ajuizou uma ação penal contra o trio. Mas os juízes da 1ª e da 2ª varas penais de Belém alegaram suspeição e o processo foi enviado à 3ª Vara, na qual foi, finalmente, recebido.
Segundo o MPPA, esses ventiladores e monitores foram comprados em dezembro de 2019, e entregues em 10 de janeiro de 2020. Mas o pagamento só foi realizado em 1 de abril, para aproveitar o aumento dos valores desses equipamentos decorrente da pandemia de covid-19. Mas havia outro problema. Em 2019, a Sesma realizara uma licitação, para a compra de equipamentos hospitalares, para as UPAs do Jurunas e da Marambaia, incluindo ventiladores pulmonares e monitores multiparâmetros.
Ou seja, em dezembro, quando Amorim e a GM realizaram a transação, havia uma licitação vigente para a aquisição desses produtos, mas as beneficiárias eram outras empresas. No entanto, Amorim alegou que elas não teriam entregado as mercadorias, das quais necessitava com urgência, devido à inauguração da UPA da Marambaia.
Com as reportagens do DIÁRIO e o avanço das investigações, Amorim, Genny e Macedo teriam tentado “ajeitar” a documentação. Teriam sido fraudados Termos de Entrega dos equipamentos e forjadas cotações de preços. Tentou-se também criar, em documentos, uma suposta situação emergencial que justificasse àquela aquisição. Até os números de série desses produtos foram alterados, nas notas fiscais.
E, na casa de Amorim, a Operação Quimera apreendeu o que seria um “processo paralelo”, que ele estaria tentando montar, para dar “ares de legalidade” à transação. A numeração desse processo é a mesma de outro encontrado no Setor Financeiro da Sesma. Só que, no “processo paralelo”, faltavam documentos e havia folhas sem numeração.
Materiais recolhidos pela Operação Quimera também mostraram que Amorim sabia, que não poderia realizar uma dispensa licitatória: os núcleos Jurídico e de Controle Interno da Sesma emitiram pareceres mostrando que tal dispensa seria ilegal.
Tudo foi substituído por um Termo de Reconhecimento de Dívida (TRD) que, diz a polícia, não seria cabível nessa transação, e por empenhos posteriores até mesmo à entrega do material. Além disso, a polícia também constatou que não houve processo administrativo e autorização das secretarias municipais de Finanças e de Gestão (SEFIN e SEGEP), para a inserção de dados nessas Notas de Empenho posteriores, que estavam no portal da Transparência, mas foram alteradas após a primeira reportagem do DIÁRIO sobre o caso.
Por Ana Célia Pinheiro | Diário do Pará