Empresária é suspeita de emitir notas frias para a UPA da Terra Firme e arranjou emprego para apadrinhado de Sérgio Amorim na da Marambaia
A administração das UPAs da Marambaia, Jurunas e Terra Firme, que o prefeito Zenaldo Coutinho terceirizou para duas ONGs por mais de R$ 50 milhões por ano, está no centro de um escândalo, devido a transações entre essas ONGs, a empresária Genny Missora Yamada e o ex-secretário municipal de Saúde de Belém, Sérgio de Amorim Figueiredo, cunhado do procurador geral de Justiça, Gilberto Martins, chefe do Ministério Público Estadual (MP-PA).
A empresária teria mantido negócios irregulares com a InSaúde, que administra as UPAs do Jurunas e da Marambaia, onde também trabalha o marido dela, tendo faturado mais de R$ 609 mil até agosto, além de intermediar a contratação de pessoal para a entidade, a pedido de Amorim. Pior: Genny teria fornecido notas fiscais frias ao Instituto de Apoio ao Desenvolvimento da Vida Humana (IADVH), que administra a UPA da Terra Firme, depositando parte do dinheiro de supostos serviços fantasmas nas contas bancárias de empresas do estado do Maranhão, onde fica a sede da IADVH.
As informações são do Inquérito da Polícia Civil que investigou a compra de ventiladores pulmonares pela Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) junto à GM Serviços Comércio e Representação, que pertence à Genny. Como você leu no DIÁRIO de 06/12, as irregularidades da transação, sem licitação ou contrato e com sinais de superfaturamento, levaram ao indiciamento de Amorim e Genny por associação criminosa e fraude licitatória, entre outros crimes.
No entanto, o inquérito também levantou a ponta do véu de um escândalo maior: aquilo que a Polícia Civil chama de “indícios veementes de ingerência” de Genny na administração da UPA da Marambaia, mas que parecem ser, na verdade, os indícios de uma ponte realizada pela empresária entre o Poder Público e as duas ONGs, em operações irregulares. Um esquema do qual ainda se desconhecem o tamanho do prejuízo ao erário, a destinação dos recursos que teriam sido desviados e os nomes de todos os envolvidos.
O novelo começou a ser desenrolado em 9 de outubro, com a Operação Quimera, da Polícia Civil, para cumprir mandados judiciais de busca e apreensão na Sesma e em endereços ligados à GM Serviços e a Sérgio Amorim. Nos smartphones apreendidos, a polícia se deparou com conversas reveladoras de uma relação nada republicana entre servidores públicos, as ONGs e a empresária.
Em uma delas, a esposa de Amorim, Vivian Patrícia, encaminha o cidadão Ubiraci Junior à Genny (mais conhecida como Missora), para que ela arranje um emprego para ele na InSaúde, com lotação na UPA da Marambaia. Segundo Vivian, o próprio Amorim conversou com Genny sobre a situação do rapaz. As conversas dão a entender que vários nomes foram encaminhados pela Sesma para contratação pela InSaúde e que era grande a disputa por uma vaga naquela UPA. Mesmo assim, Ubiraci foi contratado, como auxiliar administrativo.
O fato demonstra a proximidade entre o ex-secretário municipal de Saúde e Genny, cuja empresa foi beneficiada por várias dispensas licitatórias assinadas por ele. Indica, também, um jogo de bastidores para driblar o contrato da própria Sesma com a InSaúde, para a gestão da UPA da Marambaia.
Contratação
A polícia não diz, mas o DIÁRIO conferiu: o contrato prevê, nas cláusulas 3.1.11 e 3.1.12 que a ONG utilizaria, para a contratação de pessoal, “critérios exclusivamente técnicos” e que essa seleção aconteceria “de forma pública, objetiva, transparente e impessoal, nos termos do regulamento próprio a ser editado pela contratada (a ONG), devendo o mesmo constar no sítio eletrônico da ora contratada, assim como a prévia divulgação das vagas, critérios e formas de avaliação”. Isso porque tais funcionários são pagos com dinheiro público, repassado à InSaúde pela Sesma.
Pelo menos R$ 609 mil por serviços sob suspeita
Segundo a polícia, entre janeiro e agosto, a GM Serviços recebeu mais de R$ 609 mil por uma variedade de produtos e serviços, para as duas UPAs, que ela não possui capacidade de fornecer: manutenção de equipamentos médicos e hospitalares e de sistemas de ar condicionado, serviços de lavanderia, fornecimento de máscaras e capotes descartáveis. Na Operação Quimera, a polícia não encontrou a empresa em funcionamento em nenhum endereço que ela registrou: o mais recente, era um prédio em obras.
Também não foram localizados maquinários para serviços de lavanderia hospitalar, ou um local para armazenagem de equipamentos médicos e hospitalares, cujo comércio atacadista seria a sua principal atividade. Além disso, ela possui apenas 15 funcionários e um técnico de ar condicionado, que presta serviços terceirizados. Na verdade, diz a polícia, a GM subcontrata profissionais e outras empresas, após vencer licitações ou obter dispensas licitatórias.
A polícia também não encontrou cotações de preços para os fornecimentos da empresa à UPA da Marambaia. O fato, como descobriu o DIÁRIO, contraria a cláusula 3.1.44 do contrato de gestão, pelo qual a InSaúde deve realizar a cotação de pelo menos 3 preços e consultar o banco de preços públicos, antes de qualquer compra. A conclusão da polícia é que os pagamentos da InSaúde à empresa estão amparados só nas notas fiscais que ela emite. E que não há como afirmar a veracidade dos fornecimentos da GM, a não ser através de comparativo entre a documentação e os itens que teria vendido.
Genny é casada com o fisioterapeuta Otávio Oscar Furian, que foi contratado pela InSaúde como coordenador de Qualidade e Segurança do Paciente da UPA da Marambaia. Segundo a polícia, foi ele até quem atestou a entrega de ventiladores pulmonares da GM Serviços, a empresa da mulher dele, naquela UPA.
No smartphone de Amorim, a polícia encontrou conversas com Furian que demonstram proximidade entre os dois. Elas incluem reclamações sobre a recolha do lixo (problema que Amorim promete encaminhar ao secretário de Saneamento); pedido para verificar a situação de paciente, e uma consulta de Amorim ao marido de Genny sobre os melhores ventiladores pulmonares para tratamento da Covid-19.
Notas fiscais frias e depósitos bancários para empresas maranhenses
Os mais graves indícios de irregularidades foram encontrados no smartphone de Genny. São conversas, via WhatsApp, com Geová Santos, presidente da IADVH, a ONG que administra a UPA da Terra Firme. Em uma delas, de 3 de agosto, ele pergunta se Genny possui empresa de manutenção predial. “Aimmmm. Simmmm”, responde a empresária, enviando o documento de Situação Cadastral, emitido pela Receita Federal, com as impressionantes 35 atividades da GM Serviços. Aí, ele escreve: “Missora, então emita uma (aparentemente, nota fiscal) de R$ 6 mil, ref. a manutenção predial da UPA, por favor”.
Em outra mensagem, diz Geová: “Missora, segue a conta pra vc botar os R$ 29.240,00”. Depois, ela envia a imagem do comprovante da transferência bancária de sua conta pessoal para aquela conta. O pagamento parece se referir a uma conversa anterior, que foi quase toda apagada, na qual ele pediu que ela enviasse um documento ao email dele, “quando tiver pronto”. A conta bancária indicada por Geová é da empresa A. C. Cunha & Cia Ltda. Segundo a Receita, ela vende móveis, eletrodomésticos e equipamentos de áudio e vídeo e fica no município de Raposa, no estado do Maranhão.
CONVERSA
Em outra conversa, que não está datada, mas que foi precedida de um telefonema no dia anterior, Geová escreve: “Missora, vc vai emitir uma (aparentemente, nota fiscal) pela UPA no valor de R$ 32.767,00, aí desse valor vc vai depositar na conta q segue, R$ 8.742,00, depois acerto o imposto por fora com vc”. Ela responde: “Ok. Manda”. Ele então envia a conta bancária do Posto Presidente Comércio de Combustíveis Ltda, que fica na capital do Maranhão, São Luiz, onde também funciona a sede da ONG.
Para a polícia, a conduta de Geová e da empresária, revelada por essas conversas, “indica a prática ilícita, quando Genny atende prontamente o solicitado por Geová, emitindo as notas fiscais, ao que tudo indica sem ter havido a prestação real do serviço, e repassa os valores nas contas informadas, e inclusive, em determinado trecho da conversa, afirma que já copiou os dados da conta bancária, pedindo que o interlocutor os apague”. Ainda não se sabe, porém, se a polícia abriu investigação específica sobre o caso, ou se possui outros documentos que não constam nesse inquérito.
Por Ana Célia Pinheiro | Foto: Fernando Araújo