O Ministério Público Estadual (MP-PA) ajuizou Ação de Responsabilidade por improbidade administrativa contra o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), o ex-deputado Márcio Miranda. Motivo: o reiterado descumprimento da Lei da Transparência. E isso em um grau tão impressionante que o levou até a descumprir uma ordem judicial para a entrega de documentos públicos, ou disponibilização das informações no portal da Transparência da Alepa.
A ação foi ajuizada, no último 30 de janeiro, pelo promotor Alexandre Couto Neto, que coordena o Núcleo de Combate à Improbidade Administrativa e Corrupção (NCIC) do MP-PA. Se condenado, Márcio poderá ter seus direitos políticos suspensos por até cinco anos, entre outras penalidades.
É possível que essa seja a primeira ação de improbidade contra uma alta autoridade paraense por descumprimento da Lei da Transparência. Boa parte dos documentos que Márcio trancou a sete chaves são fundamentais para esclarecer suspeitas de que ele teria cometido crimes bem mais graves, no comando da Alepa. Uma delas é a de que ele teria usado recursos públicos na sua campanha eleitoral, no ano passado, quando tentou se eleger ao Governo, com o apoio do então governador, Simão Jatene.
Outra, é quanto à licitação que a Griffo Comunicação venceu, para a conta de publicidade da Alepa. A Griffo, que ganhou todas as licitações de propaganda dos governos tucanos desde 1995, ou seja, em 23 anos, pertence ao publicitário Orly Bezerra, que coordenou todas as campanhas eleitorais dos governadores tucanos nesse período. Ou seja: Orly coordenava as campanhas e a Griffo ganhava as licitações.
A batalha para obrigar o então presidente da Alepa a respeitar a lei começou em junho do ano passado, quando o partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB) protocolou uma Representação contra ele no MP-PA. O problema é que Márcio, que era pré-candidato à sucessão de Jatene, estava visitando municípios como integrante de comitivas oficiais do Governo. Nessas viagens, eram assinadas ordens de serviços e convênios milionários com as prefeituras, para a execução de obras.
Também eram entregues títulos de terra e viaturas para a polícia, entre outros itens. Em fotografias, no Facebook de Márcio e de outros políticos, ele aparecia falando ao microfone e até “assinando” convênios, embora a Alepa não tivesse nada a ver com isso. Em outras fotos, ele aparentava entregar o documento do convênio ou a chave do veículo policial.
Ainda mais estranho é que esses convênios, na maioria para pavimentação asfáltica, estariam sendo firmados entre as prefeituras e a Secretaria Extraordinária de Municípios Sustentáveis (SEMSU). O problema é que a SEMSU, que era comandada por Izabela Jatene, filha do então governador Simão Jatene, não possuía estrutura, funcionários ou verbas próprias. Izabela, aliás, não possuía nem mesmo delegação do Governo do Estado para assinar convênios em nome dele, como comprova um documento obtido pelo MDB junto à Casa Civil. No entanto, há até fotografias mostrando Izabela a assinar tais convênios.
Márcio Miranda aparece em eventos de convênios firmados por secretaria comandada por Izabela Jatene.
VERBAS
Na Representação, o MDB sustentava que o candidato de Jatene estaria usando verbas e servidores públicos para fazer campanha eleitoral antecipada. E informava que havia solicitado, com base na Lei da Transparência, cópia da agenda do deputado, mas que a Alepa dissera que a agenda estava no portal da Transparência, o que não era verdade. Assim, solicitava ao MP que abrisse uma investigação sobre possível improbidade administrativa cometida por Márcio e que notificasse a Procuradoria Geral da Alepa a entregar, em 48 horas, a cópia da agenda e a planilha de gastos com diárias de viagens do deputado, entre outros documentos.
Em um levantamento preliminar sobre as denúncias do partido, o promotor Alexandre Couto acabou encontrando elementos suficientes para a abertura de uma investigação, o que o levaria a solicitar delegação de poderes do Procurador Geral de Justiça (PGJ), o único, por lei, que pode investigar as altas autoridades estaduais. Durante o levantamento, o promotor localizou, no site da Agência Pará, que é vinculada ao Governo, notícias sobre alguns desses eventos, que mostravam a participação de Izabela e de Márcio, inclusive com fotos e declarações do deputado. Uma notícia, datada de maio, informava que seriam assinadas duas ordens de serviço e 36 convênios, com 26 cidades integrantes do Programa Municípios Sustentáveis, da SEMSU.
No entanto, em uma busca nos diários oficiais do Estado, Alexandre Couto não encontrou qualquer ordem de serviço ou convênio da SEMSU com municípios paraenses naquele ano. O mesmo ocorreu no portal estadual da Transparência: nenhum convênio com os municípios citados pelo MDB. No portal da Transparência da Alepa, o promotor não encontrou nem a agenda do presidente nem qualquer outra informação.
“Em todas as tentativas realizadas nesta data, acusou-se erro no acesso ao referido portal. Com isso, não foi possível verificar a origem das verbas destinadas ao pagamento das despesas, em geral, que proporcionaram o deslocamento do Presidente e qual seria a participação da Alepa na celebração dos referidos ajustes (convênios)”, escreveu.
Problema no portal impossibilitava acesso
A equipe técnica do NCIC concluiu que as informações do portal da Transparência da Alepa eram deficientes e que o sistema apresentava erro de acesso, impossibilitando a consulta. O MDB renovou as reclamações, devido ao descumprimento da liminar. Também reclamou da falta de resposta a outras informações que pedira, como a cópia do contrato da Griffo e das licitações que ela vencera.
Na ação que ajuizou no último dia 30, o promotor observa que o então presidente da Alepa “procurou sempre se desviar de cumprir com a obrigação de transparência, apresentando manifestações esquivas, sem que até o presente momento tenha apresentado os documentos solicitados.
Em suas manifestações, o chefe do Poder Legislativo apenas afirma que as informações estão no site da internet e pede dilação de prazo para fornecer os documentos necessários. Também afirma que os documentos que não se encontram no portal da transparência do órgão estariam à disposição do interessado no Departamento Financeiro. Conforme chegou a ser veiculado em programa jornalístico de televisão, os Procuradores do MDB estiveram na Assembleia Legislativa para receber os documentos e saíram de lá sem que fosse cumprida a ordem judicial. Os documentos solicitados nunca foram encaminhados ao Ministério Público ou juntados nos autos de mandado de segurança”.
DIFICULDADE
Segundo o advogado do MDB, Diorgeo Mendes, “nenhuma das informações solicitadas constavam no Portal da Transparência. A equipe do Núcleo de Combate à Improbidade Administrativa e Corrupção (NCIC), do Ministério Público, também não encontrou os dados disponíveis, o que atenta diretamente contra o princípio da publicidade dos atos da administração pública”.
Ações
O MDB também ajuizou mandado de segurança, no Tribunal de Justiça do Estado (TJ-PA), para obrigar Márcio Miranda a fornecer os documentos que ele se negava a entregar, sob a alegação de que as informações se encontravam no portal da Transparência da Alepa. O desembargador Luiz Gonzaga da Costa Neto concedeu uma liminar ao partido, na qual até relatou a dificuldade que ele mesmo enfrentou, naquele portal: “É curial assinalar, ainda, que em consulta, no dia 16/07/2018, ao site http:www.alepa. pa.gov.br/principal,
observa-se o acesso a vários links do portal eletrônico, no entanto, a aba ‘transparência’ encontra-se com o acesso bloqueado”.
No final de agosto, o MDB protocolou mais um pedido para que o MP-PA investigasse Márcio Miranda por improbidade. Diante dessa nova Representação, da liminar do desembargador e de outras reclamações do MDB, o promotor Alexandre Couto instaurou,
em 10 de dezembro, um novo procedimento, para apurar o possível descumprimento reiterado da Lei de Acesso à Informação.
(Ana Célia Pinheiro)