Caso “dinheirinho”: Conselho do MP barra arquivamento.

O Conselho Superior do Ministério Público do Pará (MP-PA) recusou, mais uma vez, o arquivamento do escândalo do “dinheirinho” de Izabela Jatene, filha do ex-governador Simão Jatene. Foi a quinta tentativa de encerrar o caso, três delas realizadas pelo promotor Rodier Barata de Ataíde, da 4ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa. Em 2019, ele foi alvo de críticas públicas pelo procurador de Justiça Hamilton Salame, porque, durante dois anos, quase nada teria feito para investigar o caso, levando a que quase prescrevesse. A decisão do Conselho de não homologar o arquivamento e designar outro promotor para o caso é do último dia 9 e foi unânime. Além disso, a Corregedoria do MP-PA vai analisar a possibilidade de “supressão de produtividade” de Rodier, uma pontuação para eventual promoção funcional. Em 2019, depois de tentar arquivar a investigação pela primeira vez, ele teria sido até “promovido” pelo então Procurador Geral de Justiça (PGJ), Gilberto Martins, nomeado duas vezes para o cargo pelo pai de Izabela.

A investigação do “dinheirinho” de Izabela se arrasta há quase 7 anos. O caso explodiu em 2014, quando o DIÁRIO recebeu uma gravação bombástica: um diálogo telefônico no qual Izabela, então coordenadora do Propaz, pedia ao então subsecretário de Administração Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa), Nilo Noronha, a relação das trezentas maiores empresas paraenses, para “começar a buscar esse dinheirinho deles”.

O diálogo havia sido gravado pela Polícia Civil, em 2011, durante uma série de interceptações telefônicas, com ordem judicial, para investigar o sequestro de um empresário. O gerente da fazenda de Nilo integrava a quadrilha. Assim, Nilo acabou grampeado também, depois de receber um telefonema de seu funcionário. Na época, a polícia não fazia ideia de que os dois naquele diálogo eram a filha do governador e o subsecretário da Fazenda. Mas quando descobriu, o caso virou alvo de uma “operação abafa”, no Sistema de Segurança Pública.

Em 23 de setembro de 2014, após a reportagem do DIÁRIO, o então deputado federal Edmilson Rodrigues, hoje prefeito de Belém, protocolou denúncia no MP-PA. Quem primeiro investigou o caso foi o promotor Firmino Matos, que instaurou um Inquérito Civil, em outubro. Ele pediu informações à Sefa, requisitou esclarecimentos à Izabela, enviou ofícios à Justiça, inclusive à Corregedoria das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça do Pará (TJE). Com isso, acabou até obtendo uma cópia dos grampos policiais, nos quais estaria o diálogo do “dinheirinho”. Mas, nove meses depois, em junho de 2015, Firmino foi removido da 4ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, onde ocorria a investigação. A promotora Elaine Castelo Branco assumiu o lugar dele, mas permaneceu poucos meses. Já em 05 de dezembro de 2016, a apuração acabou nas mãos de Rodier Barata de Ataíde, o titular daquela Promotoria. Aí, o inquérito praticamente parou, segundo afirma o procurador de Justiça Hamilton Salame.

Em 13 de novembro de 2019, durante uma reunião do Conselho Superior do MP-PA, Salame disse que, passados 5 anos da instauração do inquérito, dois deles nas mãos de Rodier, não haviam sido realizadas diligências básicas de uma investigação, como tomar os depoimentos de Izabela e Nilo. Também não se havia mandado periciar a gravação do “dinheirinho”, que o promotor Firmino Matos obtivera. Idem para as movimentações bancárias e declarações de Imposto de Renda de Izabela e Nilo, que também não haviam sido solicitadas ou requisitadas. Mesmo assim, Rodier determinara o arquivamento do inquérito, porque não encontrara provas ou indícios de improbidade administrativa. Quando a decisão chegou ao Conselho Superior, Salame, o relator do caso, foi contra a homologação. Os integrantes do Conselho acompanharam o voto dele e mandaram realizar todas aquelas diligências que Rodier não realizara. Segundo Salame, ao longo de quase 2 anos, o promotor se limitara a anexar aos autos alguns documentos, como a cópia de uma notícia de jornal; inserir um protocolo e responder a um pedido de informações.

Rodier também teria resolvido arquivar o caso sem notificar Edmilson. Mas quando o processo chegou ao Conselho, Salame percebeu que não havia qualquer documento provando que Edmilson fora notificado. Com isso, o Conselho mandou devolver o processo a Rodier, para que ele realizasse diligências para localizar Edmilson. Só que ele considerou Edmilson como não localizado e mandou afixar um Aviso no quadro de avisos de um prédio do MP-PA. Pouco depois, reenviou o processo ao Conselho, para a homologação do arquivamento. Mas, novamente, foi barrado por Salame e pelo Conselho, que determinou que ele intimasse Edmilson através do Diário do Oficial. Só então, Rodier enviou uma correspondência ao gabinete do então deputado, em Brasília.

Rodier acabou nomeado assessor de Gilberto e diretor geral do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional da instituição.

Izabela

Em 2014, quando o governador era Jatene, Izabela nem deu bola para o pedido de informações do promotor Firmino Matos, que comandava as investigações. Em 11 de março do ano passado, com o pai fora do governo, ela prestou depoimento ao MP-PA. Disse que pediu a Nilo a lista das trezentas empresas porque havia “um planejamento de, no futuro, buscar doações para um fundo que se objetivava criar, o qual permitisse ampliar, com capital privado, as ações desenvolvidas pelo Propaz (…)”. Disse, ainda, que ao afirmar que pretendia “buscar dinheirinho das empresas” se referia “a captar pequenas quantias que, juntas, pudessem permitir futuros financiamentos de projetos sociais do Propaz (..)”. E que, quando afirmou “pra gente começar”, queria dizer o Poder Público.

Procuradora diz que homologação seria prematura.

Quem tomou o depoimento de Izabela foi o promotor Daniel Azevedo, que também viria a determinar o arquivamento do caso. No entanto, também ele foi barrado pelo relator, Hamilton Salame, que entendeu, no final do ano passado, que ainda não haviam sido cumpridas duas diligências determinadas pelo Conselho, naquela reunião de 2019. Entre elas, uma perícia contábil pelo Grupo de Apoio Técnico Interdisciplinar (GATI) do MP, com o exame da evolução patrimonial, entre 2011 e 2014, de Izabela e Nilo, após a quebra dos sigilos bancários e fiscais deles dois. A relatoria do caso já não pertence a Salame: está nas mãos da procuradora Maria do Socorro Mendo. Mas, na sessão do Conselho Superior do último dia 9, foi dela o voto contrário ao arquivamento, aprovado à unanimidade pelos demais conselheiros.

Socorro disse que a homologação seria “prematura”, já que o GATI ainda não conseguiu analisar a evolução patrimonial de Izabela: faltam as declarações de Imposto de Renda do ex-marido dela, Ricardo Souza, nas quais estão os seus bens, direitos e obrigações. Os documentos foram solicitados pelo MP no último 24 de fevereiro, mas ainda não chegaram ao GATI. Segundo o advogado de Izabela, porque ela “não tem mais acesso a ele (Ricardo)”. No entanto, segundo Socorro, também não foi analisada a evolução patrimonial de Nilo Noronha. “São diligências que foram deferidas por este Conselho e que não foram, na sua totalidade, realizadas. Dessa forma, ainda pairam dúvidas a respeito do cometimento ou não dos supostos atos de improbidade administrativa, por ventura perpetrados pelos investigados nesse inquérito civil (…)”.

Ela pediu celeridade do andamento das investigações, tendo em vista o tempo decorrido, e lembrou que já se passou um ano e meio desde que o Conselho determinou tais diligências. Agora, resta saber quem será o novo promotor do caso. Rodier Barata, que ocupava cargo comissionado, reassumiu a 4 Promotoria de Improbidade, no último dia 12, após o fim do mandato do ex-PGJ, Gilberto Martins, e já no dia 30 enviou um documento ao Conselho “encerrando” a sua participação nas investigações e pedindo que o órgão homologasse ou não, de uma vez por todas, o arquivamento.

Por Ana Célia Pinheiro | DOL