O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, rejeitou o pedido do prefeito de Ananindeua, Daniel Santos, para suspender a investigação criminal contra ele, por suposto envolvimento no desvio de R$ 261 milhões do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará (Iasep), para o Hospital Santa Maria de Ananindeua. Foi a terceira derrota do prefeito, nos dois Habeas Corpus (HCs), com pedido de liminares, que ajuizou no STJ de julho para cá, contra a investigação. Além de Daniel, também são suspeitos de envolvimento no caso o empresário Elton dos Anjos Brandão, ex-sócio dele naquele hospital; o ex-chefe de Gabinete da Prefeitura e agora ex-candidato a vice, Ed Wilson; e cinco servidores do Iasep. Os pedidos de Elton e dos cinco servidores para que a apuração seja suspensa também foram negados pelo STJ.
Desvios
As fraudes que levaram ao desvio desse dinheiro ocorreram entre 2019 e meados do ano passado. Elas incluiriam superfaturamentos de até 1000% nos preços que o hospital cobrava, por serviços prestados ao Iasep. Segundo o Ministério Público do Pará (MPPA), até agulhas hospitalares custavam 60 vezes mais: pela tabela do Iasep, elas deveriam custar apenas 30 centavos a unidade. Mas o Santa Maria cobrava (e recebia) R$ 18,10 a unidade. O MPPA começou a investigar o caso no início deste ano, após receber uma denúncia. Ele abriu o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) 0807162-12.2024.8.14.0000, que passou a tramitar na Vara de Combate ao Crime Organizado, em Belém. Mas, em 29 de abril, realizou uma operação de busca e apreensão, para desbaratar a suposta quadrilha. E foi aí que a apuração sofreu uma mudança de rumo.
Segundo o MPPA, durante a operação surgiram indícios do envolvimento de Daniel Santos nessas fraudes. Assim, o PIC teve de ser transferido para os desembargadores do TJPA, já que prefeitos possuem “foro privilegiado” e só podem ser processados pelos tribunais, a chamada “segunda instância”.
No TJPA, quem ficou como “relator” (o encarregado do caso) foi o desembargador Pedro Pinheiro Sotero. Ele rejeitou os “recursos” (pedidos) dos suspeitos, que queriam a anulação do PIC e a revogação das medidas decretadas pela Vara de Combate ao Crime Organizado, entre elas, o sequestro dos bens deles. E também autorizou a inclusão do prefeito entre os investigados, como pedira o Procurador Geral de Justiça, César Mattar, que comanda o MPPA. Com isso, todos os suspeitos apresentaram recursos ao TJPA contra as decisões do desembargador e a investigação.
Pouco depois, alegando que são vítimas de “coação” ou “constrangimento ilegal” pelo desembargador, que não atendeu os pedidos deles, todos passaram, também, a protocolar pedidos de HCs no STJ, para suspender a apuração. Mas a falta de provas do que alegam e até a “supressão de instância” têm levado a que sejam sucessivamente derrotados. A “supressão de instância” é a tentativa de recorrer a uma instância superior do Judiciário, sem antes esgotar todos os recursos na instância inferior. No caso dos suspeitos, os recursos que apresentaram ao TJPA ainda não foram julgados. E a Constituição Federal determina que só se pode recorrer ao STJ após uma decisão irrecorrível de um tribunal federal ou estadual.
Instrumento
Os primeiros a bater à porta daquele tribunal foram os 5 servidores do Iasep e o empresário Elton Brandão, em 10 e 11 de junho. O ministro Rogério Schietti Cruz, que foi o relator desses dois HCs, negou-se até mesmo a “conhecê-los”, ou seja, a recebê-los, devido à “supressão de instância”.
Além disso, o ministro enfatizou que HCs não são nem mesmo os instrumentos processuais adequados para essa disputa judicial. O empresário Elton Brandão, por exemplo, alegou ser vítima de “coação ilegal”, porque o desembargador Pedro Sotero manteve o sequestro dos bens dele. Mas o ministro Schietti Cruz observou que HCs dizem respeito à liberdade, ao direito de ir e vir de pessoas, e não a restrições patrimoniais. Rejeição semelhante tiveram os dois HCs protocolados no STJ pelo prefeito Daniel Santos.
MPPA: várias fraudes levaram a desvio milionário
Segundo o MPPA, várias fraudes levaram a esse desvio de R$ 261 milhões. Além de superfaturamentos de até 1000%, nos preços cobrados pelo Santa Maria de Ananindeua ao Iasep, havia direcionamento de pacientes para o hospital e atendimentos fictícios.
O chefe da suposta “organização criminosa” responsável pelas fraudes, diz o MPPA, seria o empresário Elton Brandão, ex-sócio do prefeito no Hospital Santa Maria. E quem fazia a ponte entre Elton e o Iasep era Ed Wilson Dias e Silva, ex-chefe de Gabinete e ex-diretor de Planejamento Estratégico da Prefeitura de Ananindeua, na administração de Daniel.
VIZINHOS
Segundo o MPPA, só após reuniões com Ed Wilson é que os integrantes da suposta quadrilha, que atuavam dentro do Iasep, aceleravam ou diminuam o ritmo do esquema. Ed Wilson também foi chefe de Gabinete da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), quando ela foi presidida por Daniel Santos. Ambos médicos, Elton Brandão e Daniel Santos se conhecem desde pelo menos 2013, quando Elton fundou o Santa Maria e Daniel foi trabalhar lá. Em meados de 2014, Daniel se tornou sócio do Santa Maria. Que, formalmente, era administrado por Elton.
O prefeito, Elton e Ed Wilson também são vizinhos, no mesmo condomínio de luxo, em Ananindeua.
COINCIDÊNCIA
O Santa Maria nasceu em um prédio antigo, mas virou um edifício de vários andares e um dos maiores hospitais da Região Metropolitana. O seu faturamento saltou de R$ 13,3 milhões, em 2014, para R$ 82,6 milhões, em 2019; e para R$ 156 milhões, em 2022, em valores atualizados. Seu crescimento coincidiu com a ascensão política de Daniel: ele se elegeu vereador, em 2012 e 2016; elegeu-se deputado, em 2018; presidiu a Alepa, em 2019 e 2020, quando se elegeu prefeito.
Por Ana Célia Pinheiro