Trapalhadas de Jatene atrasam inauguração de hospital regional.

O Governo do Estado corre contra o tempo para concluir o Hospital Regional de Castanhal (HRC) até junho próximo. A urgência se deve ao Covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus. É preciso ampliar a oferta de leitos para os pacientes do Nordeste do Pará, a segunda região mais populosa do estado, atrás apenas da Metropolitana. No entanto, há pedras no caminho: as trapalhadas do ex-governador Simão Jatene, na construção daquele hospital. As obras começaram em 2014 e consumiram quase R$ 118 milhões, mas Jatene não conseguiu concluí-las. O pior, porém, é que ele deixou tantos serviços por fazer que serão necessários mais R$ 52 milhões, para terminar o prédio.

Na Lavanderia, há paredes que terão de ser demolidas porque o espaço de circulação que foi deixado é tão estreito que não permite a passagem dos equipamentos necessários ao seu funcionamento, como é o caso de máquinas de lavar roupa e da calandra, que seca e passa, ao mesmo tempo, os lençóis hospitalares. E das chamadas “réguas de gases”, a tubulação e os equipamentos que permitem fornecer oxigênio aos pacientes, mas que não existem naquele hospital. E nos banheiros não há nem pias, boxes, chuveiros, ferragens ou vasos sanitários.

No entanto, o que custará mais dinheiro e levará mais tempo são os dois andares que existiam no projeto original da obra, mas que foram suprimidos porque o dinheiro acabou (e isso apesar dos quase R$ 118 milhões que foram gastos). Ainda mais impressionante é que há documentos indicando que a antiga administração da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (Sedop) sabia que seriam necessários mais uns R$ 60 milhões para que aquele hospital fosse concluído. Tanto assim que chegou a pedir um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) para aditar o contrato em um percentual acima do limite permitido pela Lei das Licitações, que é de 25%, para obras de construção. Mas a PGE não topou.

Pior: apesar de saber que seria preciso uma nova licitação milionária para pagar tudo o que ainda faltava naquele hospital, a Sedop emitiu um documento, em 28 de novembro do ano eleitoral de 2018, atestando que todas as obras e serviços estavam concluídos e que o Consórcio Saúde Castanhal, responsável pela construção, executaria “todas as pendências” no prazo de 60 dias, o que, aliás, não ocorreu. Por “coincidência”, o candidato de Jatene havia perdido as eleições e o então governador tentava inaugurar aquele hospital de qualquer jeito, o que deixaria em maus lençóis o novo governador, que não teria como colocá-lo para funcionar. Quem barrou Jatene foi a Justiça: um juiz proibiu a inauguração, porque constatou que o hospital, de fato, não estava pronto.

No entanto, as trapalhadas de Jatene no Hospital de Castanhal não foram exceção: ele não concluiu nenhum dos 5 hospitais que prometeu reformar ou construir. Além disso, todas essas obras apresentam fortes indícios de irregularidades e defeitos de construção. O exemplo mais impressionante é o Hospital Público Santa Rosa, no município de Abaetetuba: Jatene jurou que a obra estava pronta, mas quando o novo governador, Helder Barbalho, foi visitá-la, em janeiro do ano passado, pouco depois de sua posse, constatou que, além de alagamentos, o hospital tinha até um poste de energia elétrica, que foi “esquecido” no meio de um de seus cômodos.

Jatene tentou entregar o hospital inacabado e sem recursos.

Investigação

Em janeiro do ano passado, a Auditoria Geral do Estado (AGE), o principal órgão de fiscalização do governo, abriu investigação sobre a construção ou reforma dos hospitais regionais de Castanhal, Tapajós (em Itaituba), Caetés (em Capanema) e dos hospitais Santa Rosa (em Abaetetuba) e Abelardo Santos (em Belém). As possíveis irregularidades detectadas foram tantas que a AGE enviou toda a documentação, ainda em junho do ano passado, aos ministérios públicos de Contas (MPC) e do Estado do Pará (MP-PA), que também abriram investigações.

São essas pilhas de documentos que contam a história das trapalhadas na construção do Hospital de Castanhal. Elas começaram no ano eleitoral de 2014, quando Jatene concorria à reeleição. A obra foi licitada à toque de caixa e o contrato de construção foi assinado, ainda naquele ano, com o Consórcio Saúde Castanhal, formado por várias construtoras. O contrato ficou em quase R$ 84 milhões e o prazo de execução era de 2 anos.

Como descobriu a AGE, em um Parecer Técnico, de março de 2018, a SEDOP diz que a construção daquele hospital foi iniciada apenas com um “pré-projeto de arquitetura”. A declaração vai ao encontro de um documento da Secretaria Estadual de Saúde (SESPA), pelo qual o projeto só foi aprovado no final de 2015. O fato, observa a AGE, contraria a Lei das Licitações, pela qual as obras só podem ser licitadas se tiverem um projeto básico já aprovado pela autoridade competente.

Além disso, já durante as obras, a SESPA resolveu fazer várias modificações no projeto arquitetônico. Com isso, o valor do hospital saltou para quase R$ 172 milhões (a preços de março de 2018), ou mais de 100% acima do preço inicial. Mas ele era financiado pela Caixa Econômica Federal e não havia dinheiro para isso. Assim, o então governo decidiu excluir dois andares e o setor de reabilitação, além de reduzir as vagas de estacionamento. Mesmo assim, o novo valor ficaria em R$ 152 milhões, o que ainda seria um aumento de 81,45% no preço inicial. No final, a antiga administração só conseguiu aditar a obra em 24,99%, o que a elevou para R$ 104,7 milhões. Com o reajuste contratual de quase R$ 18 milhões, concedido em 2017, o valor final acabou ficando em R$ 122,6 milhões, dos quais o Consórcio recebeu quase R$ 118 milhões.

Leitos

No ano passado, por recomendação da AGE, uma auditoria independente levantou os serviços e recursos financeiros necessários à conclusão do Hospital de Castanhal. Com base nisso, a SEDOP abriu licitação para a obra. Mas aí veio a pandemia de Covid-19. E, no último 16 de março, a SESPA pediu que a Sedop agilizasse a conclusão do hospital, já que os seus 160 leitos, dos quais 40 de UTI, serão fundamentais para atender os pacientes da doença.

A secretaria, então, pediu um parecer à AGE, que recomendou que a licitação fosse cancelada e que fosse feita uma dispensa licitatória, no valor estimado para a obra (R$ 52 milhões), em favor do Consórcio Saúde Castanhal. “Nós decidimos fazer essa dispensa, porque uma licitação desse porte poderia levar até um ano para ser concluída. E fizemos a dispensa em favor da investigada (o consórcio) porque a entrada de outra empresa retardaria a conclusão das obras, dificultando o uso emergencial desse hospital no combate ao coronavírus. O Nordeste do Pará tem uma clara carência de leitos para suportar a demanda que virá com o crescimento dos casos de Covid-19”, explicou o auditor-geral do Estado, Giussepp Mendes.

Contratos

Ele enfatizou que todos os contratos assinados pelo Governo em função do combate à Covid-19 estão sendo disponibilizados a uma comissão de fiscalização formada pela AGE, Tribunal de Contas do Estado (TCE) e ministérios públicos Federal (MPF), Estadual (MP-PA) e de Contas (MPC), justamente para garantir transparência a todos esses processos e o bom uso dos recursos públicos. E fez, também, um alerta: “O fato de ser a mesma empresa investigada a executar a obra de Castanhal, não paralisa as investigações da AGE, que ainda estão em curso, e nem exime as empresas de responsabilização administrativa e judicial”.

Giussepp observa que providências semelhantes foram adotadas em relação ao programa Asfalto na Cidade: lá, também, foram detectados fortes indícios de irregularidades, mas o Governo fez acordos com as empresas, para que consertassem os defeitos e concluíssem as obras. No entanto, elas continuam sendo investigadas pela AGE. E, no último dia 26, o MP-PA ajuizou uma Ação Civil Pública contra duas dessas empresas e os ex-secretários da Sedop Pedro Abílio Torres do Carmo e Noêmia Jacob, ambos do governo de Jatene, pedindo que devolvam ao erário mais de R$ 122 milhões.

UTIS Inacabadas

Em uma visita técnica, em 30 de maio do ano passado, a AGE constatou que até a UTI do Hospital de Castanhal ainda estava “no osso”, apesar de Jatene ter tentado inaugurar a obra 5 meses antes. Nas fotos da visita, que foram obtidas pelo DIÁRIO, veem-se os boxes individuais onde ficariam os leitos. Mas não há nem portas, réguas de gases (para o fornecimento de oxigênio aos pacientes), bancadas, tomadas, luminárias ou lavatórios e torneiras.