AGE pede que o MP de Contas investigue convênios entre a Alepa e o Mercina.

O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), Márcio Miranda, é alvo de mais uma denúncia. No último dia 19, a Auditoria Geral do Estado (AGE) protocolou um pedido para que o Ministério Público de Contas do Pará (MPC/PA) investigue os convênios firmados entre a Alepa e o Instituto Mercina Miranda, a entidade mantida pelo ex-deputado, no município de Castanhal. Na denúncia, a AGE afirma que Márcio Miranda cometeu improbidade administrativa, já que esses convênios objetivariam apenas beneficiá-lo politicamente, e a duas empresas de sua família: o Hospital Francisco Magalhães e a Medical Diagnósticos, também sediadas em Castanhal, e que estão registradas em nome da esposa dele, Daniela, e de dois filhos do casal, Ygor e Ytalo.

É a terceira denúncia de alto impacto envolvendo o ex-deputado, só no primeiro trimestre deste ano. Em 30 de janeiro, o Ministério Público Estadual (MP-PA) ajuizou contra ele uma Ação de Responsabilidade por improbidade administrativa, devido ao reiterado descumprimento da Lei da Transparência, quando era presidente da Alepa.

Segundo o processo, Márcio Miranda chegou até mesmo a descumprir uma ordem judicial que o mandava entregar uma série de documentos pedidos pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O partido acredita que a documentação comprovaria vários crimes do ex-parlamentar, entre eles o uso de recursos públicos na campanha dele ao Governo do Estado, no ano passado, com o apoio do então governador Simão Jatene.

Dias antes, em 15 de janeiro, o Ministério Público Eleitoral (MPE) pediu à Justiça que Miranda e Jatene sejam condenados à inelegibilidade por 8 anos. Segundo o MPE, eles cometeram abuso de poder político e econômico, nas eleições do ano passado, através da utilização do programa Asfalto na Cidade para turbinar a campanha eleitoral de Márcio Miranda.

O parecer do MPE foi apresentado em uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), que tramita no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). No mesmo parecer, o MPE também pediu a inelegibilidade, por 8 anos, da ex-secretária extraordinária de Municípios Sustentáveis, Izabela Jatene Souza, filha de Jatene; e do ex-secretário estadual de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas, Pedro Abílio.

Márcio Miranda também é alvo de um inquérito civil do promotor Alexandre Couto Neto, que coordena o Núcleo de Combate à Improbidade Administrativa e à Corrupção (NCIC) do MP-PA. O inquérito foi aberto depois que um levantamento preliminar do NCIC apontou indícios de que recursos dos convênios do Instituto Mercina Miranda com a Alepa e o Governo do Estado podem ter sido usados para a promoção pessoal do ex-deputado e para beneficiar empresas da família dele.

DENÚNCIA

A denúncia foi apresentada ao NCIC pelo MDB. Na documentação anexada pelo partido, o NCIC constatou que as fichas de atendimento do projeto Vida Longa Mulher, realizado pela entidade, apontavam Márcio Miranda, o Hospital Francisco Magalhães e a Medical Diagnósticos como “colaboradores”. Para o NCIC, tal referência, nessas fichas, “além de evidenciar possível promoção pessoal do político, também tem o condão de corroborar com a suspeita de provável favorecimento de seus parentes”.

Agora, é a vez do MP de Contas investigar as atividades do ex-deputado, caso aceite a denúncia da AGE. Na Representação, assinada pelo auditor geral do Estado, Giussepp Mendes, a AGE aponta indícios de irregularidades nos convênios entre a Alepa e a entidade (veja mais no box ao lado). Para a AGE, a documentação existente comprova que esses convênios objetivaram apenas beneficiar Márcio Miranda, através da promoção de sua imagem pessoal e parlamentar; e através dos atendimentos, exames e procedimentos realizados nas empresas da família dele.

A AGE enfatiza que não constam em nenhuma publicação oficial ou em sites do Governo do Estado ou no portal da Transparência da Alepa quaisquer informações sobre licitações realizadas para a aquisição dos produtos e serviços pagos pela entidade com o dinheiro desses convênios.

Convênios – Um deles é o 06-GP/2004, para cursos de capacitação profissional. Segundo a AGE, nas prestações de contas que encaminhou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), a entidade não apresentou documentos como os planos de trabalho, que permitiriam verificar a capacidade técnica dos profissionais contratados para ministrar esses cursos.

Além disso, em recibos emitidos pela “Salles & Oliveira Cia Ltda”, pela manutenção dos computadores da entidade, não consta nem mesmo o CNPJ da empresa. E mais: também não há documentos que comprovem a realização de licitações, para os contratos pagos com esse dinheiro.

– Outro convênio é o 058/2004, também para capacitação profissional. “Pode-se observar que, assim como os demais convênios aqui levados, não foi publicado extrato do referido convênio, o que de pronto aponta a lesão ao princípio da publicidade dos atos da Administração Pública”, escreveu a AGE. Também nele faltam documentos que demonstrem a legalidade dos pagamentos de serviços e materiais.

– Já o convênio 04-GP/2008 é ainda mais impressionante. Ele se destinava ao projeto “Vida Longa Mulher”, para prevenção de cânceres uterino e mamário, além de atendimentos odontológicos. Mas com o dinheiro dele foram adquiridos vários medicamentos que nada têm a ver com esse projeto, como é o caso de 1.200 vidros do xarope Ambroxol, destinado a doenças dos brônquios e pulmões.

– A AGE observa, ainda, que os atendimentos realizados na unidade móvel da entidade, através do projeto Vida Longa Mulher, “precediam o encaminhamento para exames clínicos e laboratoriais que eram realizados nos estabelecimentos do Hospital Francisco Magalhães e Medical Diagnósticos, em que figuram como sócios Ygor Magalhães Miranda, Ytalo Magalhães Miranda e Daniela Chaves de Magalhães Miranda, respectivamente, filhos e esposa do deputado Márcio Miranda”. Assim, segundo a AGE, revela-se o claro intuito de beneficiamento dos familiares diretos de Miranda, ferindo o princípio da moralidade.

Instituto recebeu R$ 2,6 milhões dos cofres públicos

Como você leu em uma série de reportagens do DIÁRIO, o Instituto Mercina Miranda recebeu pelo menos R$ 2,6 milhões dos cofres públicos, em valores atualizados até março do ano passado, através de convênios com o Governo do Estado e a Alepa, firmados entre 2003 e 2011. A principal suspeita do MDB, que denunciou o caso ao MP-PA, é de uma triangulação com o dinheiro público: Márcio Miranda apresentava emendas ao Orçamento do Governo, para garantir dinheiro aos convênios do instituto. Ele, então, realizava atendimentos que, além de badalarem a imagem do ex-deputado, também encaminhavam pacientes às empresas de saúde da família dele.

Exemplo disso seria um convênio do Governo, em 2003, para que o Mercina adquirisse uma unidade móvel de Saúde, para a realização de preventivos de câncer, através do projeto “Vida Longa Mulher”.

EMENDA

Segundo um ofício da própria entidade, o dinheiro veio de uma emenda de Márcio Miranda. Fotografias em documentos do instituto mostram que, nos locais desses atendimentos, havia um banner fixado no ônibus, contendo a foto e o nome do então deputado.

Além disso, nas fichas de atendimento do projeto há indícios do direcionamento de exames para o Francisco Magalhães e a Medical Diagnósticos. A suspeita é que o material coletado na unidade móvel era encaminhado para diagnóstico nessas duas empresas.

Recursos

Veja os recursos repassados pelo Governo e Alepa ao Mercina. Valores foram atualizados pelo DIÁRIO com base no IPCA-E de março de 2018 

Da Alepa

Convênio 06/2004  – R$ 43.842,98
Convênio 58/2004  – R$ 102.300,29
Convênio 03/2007  – R$ 230.905,62
Convênio 004/2008  – R$ 290.091,39 2009 – R$ 233.487,42 2010 – R$ 198.265,74 2011 – R$ 20.633,31 TOTAL: R$ 1.119.526,75
Do Governo do Estado 2003 – R$ 335.493,48 2004 – R$ 158.669,84 2005 – R$ 151.139,47 2006 – R$ 148.660,64 2008 – R$ 34.403,22 2010 – R$ 665.915,42 TOTAL: R$ 1.494.282,07

Entidade pode ter comprado produtos superfaturados

O DIÁRIO também mostrou que o Mercina Miranda teria comprado produtos superfaturados em até 90%, com esse dinheiro. Além disso, há indícios da utilização de notas fiscais fraudulentas nas prestações de contas ao TCE. E mais: a entidade teria comprado 40 mil kits de Papanicolau (para exames preventivos de câncer uterino), que ninguém sabe onde foram parar, já que as próprias estatísticas e fichas de atendimento do Mercina indicam que não realizou nem mil desses exames.

O Mercina chegou a pagar até R$ 3,80 por kit de Papanicolau, entre os anos de 2008 e 2011. Mas, em 2010, a Prefeitura Municipal de Belém (PMB) pagou, no máximo, R$ 2,00 por kit desse tipo. Em outra licitação da PMB, em 2017, o preço máximo foi de R$ 1,80 a unidade. No mesmo ano, os kits adquiridos pela Prefeitura de São Miguel do Guamá custaram, no máximo, R$ 1,45 a unidade. Conforme apurou o DIÁRIO, pelo menos 17 mil desses kits foram comprados pela entidade a preços muito superiores até ao que é cobrado hoje, em sites de varejo.

Outro problema é que sete notas fiscais, da compra desses kits e de outros materiais médicos, apresentam indícios de fraude. Quatro dessas notas foram emitidas por uma empresa que já se encontrava extinta, segundo a Receita Federal: a Atlas Comércio de Artigos de Medicamentos, Armarinho e Papelaria. As outras três notas são iguais na caligrafia, na ordem e quantidade dos produtos listados e até no erro a maior do valor final, mas são de duas empresas diferentes: a Isaura HP dos Santos e a VHS Comércio e Serviços.

EMPRESAS

Segundo a Receita Federal, as duas empresas funcionam nos números 243 e 249 da avenida Marques de Herval, em Belém. Mas o DIÁRIO esteve no local, conversou com moradores e não encontrou nem sinal delas. Tão ou mais estranho é que a VHS, que teria vendido esses materiais médicos, está registrada na Receita com o nome de fantasia de “Grafam Gráfica e Editora”. Já a Isaura HP tem o nome de fantasia de “Espaço Ótico”. O Instituto Mercina Miranda foi criado por Márcio Miranda em junho de 2003, em homenagem à mãe dele. É presidido por José Moreira Sales, homem de confiança do ex-deputado. Sales chegou a ser assessor especial do ex-governador Simão Jatene, apesar de assinar convênios, em nome da entidade, com o mesmíssimo governo. Mas hoje, diz a Receita Federal, o Mercina Miranda está inapto, devido à “omissão de declarações”.

(Ana Célia Pinheiro)