Radiografia de Uma Fake News.

Era domingo à tarde quando o site da CNN Brasil publicou uma notícia inusitada: uma inspeção do Governo do Estado encontrara uma parede falsa que escondia 19 respiradores num dos maiores hospitais de Belém, o Abelardo Santos. A matéria correria outras redações, como Folha de S. Paulo e a revista semanal da Globo, Fantástico.

Ela só tinha um problema: era falsa. Não havia parede ou esconderijo. A Secretaria de Saúde emitiu uma nota pública que funcionava também como queixa; dizia que além de combater a pandemia ainda tinha que combater fake news. Os equipamentos realmente existiam e foram encontrados numa inspeção do próprio Governo, numa passagem de bastão entre duas OS’s – a que administrativa e a que administra hoje o Hospital. Estão sob investigação.

Estrutura Profissional

Que as redes sociais estão coalhadas de notícias falsas, todos sabemos. Mas como uma fake news sai de seu ambiente, a web, e vai parar num jornal como a Folha de S. Paulo?

O caminho é longo, trabalhoso e exige organização e investimentos. Além de alguém que aceite fazer a acusação inexistente.

No dia 04 de abril, o blog de Olavo Dutra publicou a primeira “notícia” de que havia uma parede falsa para esconder equipamentos no Hospital. Emoldurando a notícia, uma foto com o crédito “divulgação” (de quem?). A imagem não mostra nenhuma parede, nem nada escondido. Apenas um caminhão embarcando ou desembarcando aparelhos.

Na sequência, o Blog da Franssinete (assim, com dois “ss”), conhecida “assessora” de Marcio Miranda, emplumada presidente de certa Academia de Jornalismo Paraense, subiu a “denúncia”.

No dia 16/04, uma sexta à noite, David Mafra, blogueiro que vive na Irlanda, subiu um vídeo replicando a acusação. Mafra, reconhecido por produzir humor de qualidade duvidosa, se engalfinhou esta semana com o vereador de Ananindeua Bob Fly, que o acusou de tentar achacar uma empresa.

O que une toda a patota é a reconhecida amizade com Orly Bezerra, marqueteiro das campanhas do PSDB e do campo político tucano há décadas. Por exemplo, Orly dirigiu a campanha de Marcio Miranda (ele mesmo, o assessorado da Franssinete) ao Governo do Estado. Orly fez carreira no Grupo Liberal. Um telejornal do Grupo foi o primeiro veículo dito sério que publicou o assunto. No sábado à noite, um dia depois de David Mafra, a afiliada da Rede Globo levou ao ar uma nota coberta com imagens do Hospital, e a negativa da Secretaria de Saúde sobre a tal parede.

A CNN entrou no assunto um dia depois, domingo. Publicou três versões de matéria.
Primeiro, dizia que o Governo tinha descoberto uma parede falsa com os equipamentos. Como a nota publica pela Sespa negava tal “informação”, o repórter refez a matéria dizendo que “uma funcionária” era sua fonte. Por fim, subiu uma terceira versão em que o Ministério Público pedia investigação sobre a parede falsa.

O procurador, que aparecia na história e virou a principal fonte do assunto quando a matéria chegou à Folha de S. Paulo e à pauta do Fantástico, é Rodier Barata Ataíde. Até agora, o ponto alto de sua carreira foi arquivar, sem grande investigação, uma denúncia contra a filha do ex-governador tucano Simão Jatene, Isabela. Num telefonema, gravado pelo interlocutor, Isabela pede uma lista de fornecedores do Estado porque precisaria ir atrás de “um dinheirinho” para a campanha eleitoral que se aproximava.

Cadê a Imagem?

Sob o peso de ter uma fonte oficial, o assunto acabou sendo publicado na Folha de S. Paulo. O repórter acabou não dando tanto destaque à parede – quanto mais se apurava, mais ela subia no telhado. Finalmente, a matéria foi tratada pelo Fantástico como algo menor, recebeu pouco mais de um minuto da atenção do semanário – que faz matérias longas. Como é sabido de todos, televisão é imagem e faltava este pequeno detalhe para que a denúncia parasse de pé. No fim das contas, o Fantástico levou ao ar uma foto qualquer tendo como fonte… o Ministério Público. E que foto era essa? Onde foi que o Ministério Achou esta foto? No blog do Olavo Dutra. Aquela da “Divulgação”.

O fato em si, que até seria notícia, era a descoberta, por uma investigação interna, de equipamentos que não estavam sendo utilizados pela administradora do Hospital. Mas esta matéria tinha alguns “problemas”. Primeiro, foi o próprio governo quem descobriu o malfeito. Corrigiu e abriu uma investigação.

Segundo que sem a “parede falsa”, a notícia perdia foça narrativa e interesse. Era preciso “garibar” a história pra que ela bombasse. As perguntas que restam são duas: quem inventou a história? A quem ela beneficia?
Aí só uma investigação para saber, até porque divulgar Fake News é crime.

No meio de uma pandemia, é tão imoral quanto uma OS não utilizar equipamentos no combate à doença. Como não haverá tal investigação, já que forças poderosas se escondem atrás destas ações, ficamos sem saber. Talvez Orly Bezerra pudesse jogar uma luz sobre o assunto.