O candidato a vice-prefeito de Ananindeua, na chapa do prefeito Dr. Daniel Santos (PSB), que tenta a reeleição, foi condenado a devolver mais de R$ 10 milhões aos cofres públicos, em valores atualizados pelo IPCA do mês passado. Durante dois anos, Ed Wilson, o candidato a vice, não prestou contas de recursos do Fundo Municipal de Saúde (FMS) do município de Muaná, na Ilha do Marajó. O que significa que ninguém sabe exatamente o paradeiro desse dinheiro. As condenações ocorreram em dois processos do Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCMPA). Por causa delas, Ed Wilson ficou inelegível durante pelo menos cinco eleições, só voltando a poder concorrer a um cargo eletivo a partir do ano passado. Mesmo assim, ele permanece na lista das contas julgadas irregulares pelo TCM. E, segundo o tribunal, não há sinais de entrada desses recursos na contabilidade do município de Muaná. Em outras palavras: provavelmente, ele não devolveu esse dinheiro. E é possível que essa dívida tenha até prescrevido.
Ed Wilson é homem de confiança do prefeito de Ananindeua. Ele foi chefe de Gabinete da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), em 2019 e 2020, quando ela foi presidida por Daniel Santos. Também foi chefe de gabinete e diretor de Planejamento Estratégico da Prefeitura de Ananindeua, de 2021 até 5 de abril deste ano. Hoje, ele e Daniel são investigados pelo Ministério Público do Pará (MPPA) por suspeita de envolvimento com uma suposta quadrilha que teria desviado mais de R$ 261 milhões do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará (Iasep) para o Hospital Santa Maria de Ananindeua. O prefeito foi sócio do Santa Maria entre 2014 e maio de 2022. As fraudes teriam ocorrido entre 2019 e meados de 2023. Segundo o MPPA, era Ed Wilson quem fazia a ponte entre o Iasep e o ex-sócio de Daniel, o empresário Elton dos Anjos Brandão, que seria o chefe da suposta quadrilha, diz o MPPA, e hoje é o único dono daquele hospital.
Ed Wilson foi secretário de Saúde de Muaná e teve as suas prestações de contas do FMS de 2001, 2002, 2003 e 2004 reprovadas pelo TCM. As duas principais condenações foram relativas aos anos 2003 e 2004, já que ele nem sequer prestou contas desses recursos: ou seja, não informou onde e como foram gastos. O julgamento do processo 0492022003-00, do FMS de 2003, ocorreu em 12/05/2009 e resultou no acórdão (decisão)18.481. Ele condenou Ed Wilson a recolher aos cofres públicos, no prazo de 15 dias, mais de R$ 1,756 milhão, acrescido de correção monetária. Um valor que hoje já se encontra em cerca de R$ 5,5 milhões, com atualização monetária pelo IPCA do mês passado. Já o julgamento do processo 492022004-00, do FMS de 2004, ocorreu em 18/06/2015 e resultou no acórdão 27.008. A condenação foi devolver aos cofres públicos quase R$ 1,786 milhão, mais correção monetária, ou R$ 5,2 milhões nos dias atuais. Ambas as condenações foram por unanimidade, e o tribunal determinou o envio de cópias dos processos ao MPPA, para as providências cabíveis.
Mas a Assessoria de Comunicação (Ascom) do MPPA informou, em nota, que não há registro da entrada desses processos na Promotoria de Justiça de Muaná, e que ela vai solicitá-los ao TCM, “para a apuração dos fatos”. Já a Assessoria de Comunicação do TCM disse, em nota, que os processos foram enviados ao MPPA, conforme a determinação dos acórdãos. No entanto, não soube informar os números dos ofícios que acompanharam as remessas desses processos ao MPPA. Isso porque os ofícios já se encontrariam no Arquivo Morto, por terem ultrapassado os prazos legais para a guarda de documentos. O tribunal não soube dizer se Ed Wilson devolveu esse dinheiro ao FMS da Prefeitura de Muaná, já que essa cobrança é realizada pelo município. Mas informou que “nas prestações de contas seguintes esses valores não constaram como receitas de exercícios anteriores ou com qualquer outra denominação contábil de mesma natureza”. Em outras palavras: não houve entrada desse dinheiro na contabilidade municipal, pelo menos não nas rubricas (classificações contábeis) adequadas. Um indício de não-devolução.
Ainda segundo o TCM, Ed Wilson não recorreu contra esses acórdãos: ou seja, não protocolou documentos, defendeu-se, para tentar mudar essas decisões. Além disso, o tribunal “não tem registro” de que ele tenha obtido alguma medida judicial para suspender essas condenações. Os processos “transitaram em julgado”, disse o TCM, acerca de alguma outra possibilidade de reversão da irregularidade dessas prestações de contas, além da quitação dessas dívidas. Informou, ainda, que o nome de Ed Wilson não consta na relação de inelegíveis das eleições deste ano devido ao “prazo legal decadencial e do prazo de prescrição do processo”. Em outras palavras: pela legislação, a inelegibilidade se estende por 8 anos, a partir da condenação. E como a última condenação dele foi em 2015, esse prazo venceu no ano passado.
Quanto à possibilidade de essa dívida prescrever e o paradeiro desse dinheiro da Saúde permanecer desconhecido, o TCM esclareceu que, após as duas decisões condenatórias terem transitado em julgado, “competia ao Ministério Público do Estado e à Prefeitura Municipal de Muaná a adoção das demais medidas de responsabilização e execução, para constrição patrimonial”, ou seja, para bloqueio, penhora, sequestro de bens, por exemplo. E que se a Procuradoria Jurídica da Prefeitura de Muaná não inscreveu esses débitos na dívida ativa e/ou não os “executou” (cobrou na Justiça), eles, possivelmente, já estão prescritos: o prazo legal para que o Poder Público ajuíze cobranças de dívidas é de até 5 anos. E os acórdãos do TCM, “que constituíram títulos executivos extrajudiciais, em favor do município”, são de 2009 e 2015.
As outras duas reprovações das contas de Ed Wilson resultaram, basicamente, em multas, embora o tribunal também tenha determinado o envio de cópias dos processos ao MPPA. O processo 0492022001-00, do FMS de 2001, foi julgado em 25/09/2007 e o acórdão é o 16.146. Ele foi condenado a recolher aos cofres públicos R$ 25.289,62, em valores da época, e a pagar R$ 1.500,00 em multas, pelo não envio do parecer do Conselho Municipal de Saúde, divergências em demonstrativos financeiros, desvio de finalidade na aplicação de recursos, entre outras falhas. O tribunal também alertou os seus técnicos para a responsabilização do prefeito de Muaná pelo descumprimento do mínimo de 15% de aplicação na Saúde. Já o processo 492022002-00, do FMS de 2002, foi julgado em 24/01/2008 e resultou no acórdão 16.711. Ele foi condenado ao pagamento de R$ 1.400,00 em multas, devido ao descontrole financeiro e orçamentário e, novamente, ao descumprimento do gasto mínimo em Saúde, entre outros problemas.
Por causa desses quatro processos, Ed Wilson foi incluído, comprovadamente, nas relações de inelegíveis enviadas pelo TCM ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE-PA), nas eleições de 2014, 2016, 2018, 2020 e 2022. No entanto, é provável que tenha figurado nessas relações, também, nas eleições de 2010 e 2012, já que a sua primeira condenação mais grave ocorreu em 2009, e ela, por lei, resultava em inelegibilidade nos 8 anos seguintes. Tanto que, junto com as duas condenações “menores”, essa condenação de 2009 o manteve inelegível em 2014. Mas o DIÁRIO ainda não conseguiu localizar as listagens de 2010 e de 2012. Hoje, porém, ele está “liberado” para concorrer a uma eleição, embora o seu nome continue na lista de contas irregulares do TCM, devido à reprovação de suas contas do FMS de 2004, que foi julgado em 2015. O DIÁRIO solicitou informações sobre o caso à Assessoria de Imprensa da campanha eleitoral de Daniel Santos e ao secretário de Ed Wilson, um funcionário ou ex-funcionário da Prefeitura de Ananindeua chamado Bené Barbosa, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta. Em sua declaração de bens à Justiça Eleitoral neste ano, Ed Wilson, que é professor do ensino fundamental e médio, declarou um patrimônio de quase R$ 757 mil. Seu bem de maior valor é uma casa em um residencial de luxo, em Ananindeua, no qual também reside o prefeito Daniel Santos e o seu ex-sócio no Hospital Santa Maria, Elton dos Anjos Brandão. Ed Wilson avaliou essa casa em R$ 610 mil.
Por Ana Célia Pinheiro